«Os revoltosos tinham-se reunido de madrugada no Campo de Santo Ovídio, hoje Praça da República (um erro militar, segundo o então tenente Manuel Maria Coelho, um dos três oficiais que participaram directamente na revolta). Uma multidão de civis juntou-se no local dando vivas à República e vitoriando os revoltados. “Os sinos da igreja próxima tocavam furiosamente a rebate, agitados por mãos febris”, segundo Basílio Teles (1968: 286) Ao nascer do dia, havendo ainda nevoeiro, saíram do local de reunião e desceram a rua para a Praça de D. Pedro IV (hoje Praça da Liberdade, antes também conhecida por Praça Nova), a tomar conta dos Paços do Concelho.
O instante preciso da passagem na Rua do Almada teve algo de mágico mesmo para os poucos militares que pressentiam a derrota próxima: a multidão em festa transmitia a o sentimento contrário, como escreveu Coelho quase 40 anos depois: “Quando os revolucionários desciam a Rua do Almada ao som de A Portuguesa tocada pela banda de infantaria 10, quase todos, e com eles os civis, que em grande multidão os acompanhavam, aclamando-os, iam convencidos da vitória certa, segura, auxiliados por infantaria 18. A notícia da sublevação correu rápida e os habitantes da cidade apressaram-se a assistir quer nas ruas, quer nas casas ao triunfo da República. As janelas da rua do Almada e as da Praça de D. Pedro IV, mais conhecida por Praça Nova, estavam apinhadas, na grande maioria de senhoras, que acenavam com os lenços, ouvindo-se de todos os lados estrepitosos vivas aos regimentos revoltados e à República.
Espectáculo magnífico que, confesso, não conseguiu fazer-me desaparecer a impressão do desastre final, que se aproximava a cada momento” (Coelho, 1930: 359). Declarada a República e anunciado um governo provisório do edifício de então da câmara municipal, a multidão começou a subir a rua de S. António (hoje 31 de Janeiro), levando ainda à frente a banda de infantaria 10: “Uma multidão imensa acompanhava as forças da revolta (…) e essa artéria do Porto tinha um aspecto quase de festa. Do povo saíam brados entusiásticos (…). As senhoras que estavam às janelas agitavam freneticamente os lenços, soltavam vivas calorosos, batiam as palmas num contentamento indescritível.
A marcha das forças tinha o aspecto insofismável dum passeio triunfal” (Abreu, 1912: 114). Representava a utopia no mundo, mas por breves instantes: nessa rua − “um desfiladeiro, todo contra a nossa situação” (Coelho, 1930: 360) − a tropa e a multidão foram alvo do ataque a tiro das forças militares fiéis ao regime, assim terminando a primeira e mal organizada revolta político-militar republicana….»( in Eduardo Cintra Torres artigo «A utopia descendo a Rua do Almada ,Sociologia,Revista do Departamento de Sociologia da FLUP Vol. XX, 2010)