Preparar lideranças justas e humanas

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Mariana Ramos*

Tive a oportunidade de participar, de 27 a 31 de outubro de 2024, num seminário
organizado pelo Europäisches Zentrum für Arbeitnehmerfragen (EZA) em Calvi, onde foram abordados temas fundamentais sobre o papel e as práticas do gestor no mundo do
trabalho. Este evento proporcionou-me não apenas conhecimento técnico, mas também
uma reflexão sobre as competências humanas e interpessoais que definem uma liderança eficaz nos tempos atuais, em que nos deparamos com desafios no mercado de trabalho em rápida transformação e com exigências cada vez mais complexas, para os
trabalhadores.

Refletir sobre as caracteristicas que compõem uma liderança justa e humana

A sessão de abertura, conduzida pelo vice-presidente do EZA, Joseph Thouvenel,
estabeleceu um ambiente de proximidade e abertura, incentivando a troca de ideias  de forma encorajadora, desde o início, permitindo que todos os participantes, oriundos de diferentes contextos e realidades culturais, pudessem aprender uns com os outros,
explorar desafios comuns e refletir sobre as características que compõem uma liderança
justa e humana, independentemente das nossas áreas de atuação, bastante distintas.
A discussão sobre a integração de pessoas de diferentes culturas, conduzida pelo
General Alain Bouquin e exemplificada pela experiência da Legião Estrangeira Francesa, foi um dos momentos altos do seminário. O General Bouquin partilhou as suas experiências e sublinhou como a diversidade pode ser uma força nas equipas, desde que acompanhada de comunicação eficaz e respeito pelas diferenças, reforçando a importância de construir ambientes de trabalho inclusivos e coesos num contexto de globalização crescente, onde as equipas são, muitas vezes, compostas por pessoas com culturas muito diferenciadas.
A sessão com a filósofa Chantal Delsol, onde foram discutidas as virtudes que
definem um líder, foi particularmente inspiradora: Ética, humildade e responsabilidade
surgiram como valores essenciais, e o impacto desta reflexão fez-me repensar o meu
próprio percurso e os valores que quero cultivar na minha liderança, não apenas na tomada de decisões estratégicas, mas, acima de tudo, como fonte de inspiração e crescimento pessoal para com os que me rodeiam e para mim mesma.
No entanto, o aspeto mais enriquecedor da formação foram os momentos de
participação aberta, onde os próprios participantes puderam colocar-se no lugar de
líderes, partilhando os seus receios, inquietações, frustrações, conquistas e desafios.
Estes momentos de partilha foram fundamentais para que cada um de nós pudesse
abordar questões específicas das nossas realidades, recebendo feedback e diferentes
perspetivas dos outros participantes.
No meu caso, como gerontóloga e estudante de mestrado em Cuidados Paliativos,
estes espaços de diálogo deram-me a oportunidade de expor os desafios que enfrento
enquanto profissional num sistema de saúde com várias lacunas. Ao partilhar o meu papel enquanto gerontóloga paliativista, procurei abordar o desafio de proporcionar cuidados de qualidade numa área onde os recursos, tanto humanos como materiais, são
frequentemente insuficientes. Trabalhar com uma população vulnerável, como a
população idosa, exige uma atenção constante às necessidades de conforto e dignidade,
especialmente no contexto dos cuidados paliativos. A possibilidade de debater estas
questões com outros líderes e de ouvir as suas experiências permitiu-me refletir sobre
formas de aplicar uma liderança mais humanizada e coordenada no contexto dos cuidados de saúde. No campo dos cuidados paliativos, o gestor não se limita a gerir recursos e equipas: é fundamental criar uma rede de apoio que integre de forma coordenada o trabalho dos profissionais de saúde e dos cuidadores, sempre com o bem-estar do paciente e das suas famílias como prioridade máxima.
A formação terminou com uma análise crítica do papel do EZA na construção de
uma Europa mais coesa e solidária, e com uma reflexão sobre os pontos fortes e fracos do seminário.

Ser uma boa líder é mais do que gerir equipas e processos

Refletindo sobre toda a experiência deste seminário, ficou claro para mim que ser
uma boa líder é mais do que apenas gerir equipas e processos. Liderar requer uma visão
estratégica, um compromisso ético e uma capacidade de adaptação constante. No
entanto, talvez o mais importante seja a clarividência para reconhecer o que queremos
alcançar e a força de vontade para cumprir esse propósito – como sublinhou um dos
palestrantes com uma frase que me marcou: “Senhor, dá-me clarividência para saber o que eu quero fazer e dá-me força e vontade para o cumprir.”
Num contexto de tantas mudanças e desafios, o seminário trouxe também uma
perspetiva inovadora sobre o papel do trabalho na nossa sociedade. Quando foi dito que
“só o trabalho sabe criar desigualdades justas,” fui levada a refletir sobre como o trabalho
não é apenas uma fonte de rendimento, mas também um campo de reconhecimento, onde o mérito e o esforço podem criar uma hierarquia de competências e contribuições
valorizadas de forma única. Isto remete para a necessidade de criar ambientes onde o
esforço e a dedicação sejam reconhecidos de forma justa, promovendo assim uma cultura de valorização e motivação.
Outro pensamento marcante foi o conceito de que “é o trabalho que acaba por
apagar o trabalho. A arte é quando o trabalho acaba por apagar o trabalho. Ultrapassa o
trabalho, sublime-se o trabalho.” Este princípio desafia-nos a olhar para além da execução das tarefas e a valorizar o impacto humano do que fazemos, a dimensão criativa e transformadora do trabalho. É nesse “sublime” que uma liderança genuína se manifesta:quando o trabalho deixa de ser apenas um fim e se torna uma forma de contribuir para um bem maior, um legado que ultrapassa o mero resultado prático e transforma verdadeiramente a vida das pessoas.
Será que, como líderes, conseguimos criar ambientes onde o trabalho não só
cumpre o seu propósito, mas também se transcende e se torna uma forma de arte, de
impacto real e de conexão genuína?

*Gerontóloga,participante pela BASE-FUT na 3ª Sessão do Curso de jovens líderes de organizações sociais e de trabalhadores em Calvi, Córsega,  organizada pela CFTC com apoio do EZA e da União Europeia.

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