José Vaz*
Saúdo cordialmente todos os presentes.
Esta minha fala é um tributo de gratidão às Edições Base e à Base Fut.
Nasci a cem metros de um teatrinho de algibeira e a duzentos de um teatro de aldeia.
Meu pai foi ator amador numa terra muito singular.
A minha terra é uma suave colina com a face e os pés beijados pela água de dois rios habitados pelas ninfas tutelares das águas.
Mas os seus habitantes, em vez de utilizarem essas caraterísticas orográficas e geográficas para promoverem desportos náuticos, escolheram a arte que tem a idade do homem – o teatro.
E foram os homens da classe trabalhadora, os artesãos da madeira (entalhadores, marceneiros e carpinteiros) que, trabalhando na cidade do Porto, foram captados pelo teatro que aqui se fazia na segunda metade do séc. XIX e que trouxerem para a sua terra esse “bichinho” encantatório dos “emprestadores da alma”.
E utilizaram o teatro para a sua afirmação social e para a sua literacia cultural criando, numa terra que, em 138 anos, teve em média 8736 habitantes, mas que, neste universo reduzido, criaram 31 grupos de teatro.
Nascido aqui, fui marcado quase à nascença para a cultura e para a importância desta capacidade humana de libertação das cadeias que nos amarram às necessidades da nossa sobrevivência física e nos libertam para as tarefas que vão para além da nossa condição de construtores do mundo.
Foi por essa influência que, quando aderi ao C.C.O. do Porto, em 1966, e à Base-Fut, em novembro de 1974, na Costa da Caparica, me levou animar e experimentar um tipo de teatro autogestionário, participativo, à animação cultural e ao guionismo.
Essa experiência está plasmada nas páginas 74 a 76 da obra Pelo Socialismo Autogestionário, das Edições Base, 1979.
Mal eu havia de adivinhar que isso me ia marcar como cidadão interveniente na área da cultura, da escrita e da literatura portuguesa para os mais novos.
Por volta de 1982 propus às Edições Base a publicação de dois pequenos textos de teatro para a infância: As Pulgas e a Preguiça e o Rei Lambão.
Senti na altura que, da parte de alguns companheiros de jornada ideológica, alguma perplexidade por as Edições Base, editar uma temática tão afastada da sua linha editorial.
Só que, ao nível pessoal, essa abertura acabou de me marcar o destino e, considerando-me ainda hoje um aprendiz de escritor, publiquei 38 obras para a infância, em várias editoras nacionais, 9 das quais no Plano Nacional de Leitura, ganhei o 1.º Prémio de Literatura e acabei de ser nomeado em 2024 para um prémio internacional de prestigio, o prémio sueco ALMA, em conjunto com 245 candidatos de 68 países do mundo.
Para além das obras citadas sou, ainda, autor de dez obras de historiografia local, três das quais em coautoria.
Este pequeno testemunho, para além de um tributo de gratidão às Edições Base pelo seu contributo para o meu destino, é também uma prova de marca cultural e da importância que a Base-Fut deixou em todos nós e que sobrevive, graças à teimosia resiliente de alguns, cinquenta anos depois do seu nascimento.
Embora hoje, já com idade e mentalidade de “lar de 3.ª idade” reconheço e admiro a resiliência de alguns de vós e a esperança que vos habita de um mundo diferente, solidário, justo, não obstante no coração dos seres humanos exista o motor
e a raiz de toda a infelicidade humana – o egoísmo.
Por isso, aqui estou, já um pouco taralhouco, para cantar os parabéns com aqueles que, no seu coração, mantêm a luz de um mundo novo, a haver e a construir.
*Escritor,Mestre em História e fundador da BASE-FUT