Jorge Henriques Santos*
S.Domingos é um bairro periurbano, na freguesia de vila do Carvalho, arredores da Covilhã, a vida nestas paragens era repartida entre o trabalho com horário certo nas fábricas de lanifícios e o cultivo das courelas em pequenas quintas de mais ou menos 5000m2, de onde se tirava o complemento para os muito baixos salários da industria têxtil. Daqui vinham: o vinho, as cebolas, as batatas, alguns legumes, os ovos, um coelho ou um borrego e o porquinho que dava salgadeira para todo o ano… Rendimento que era tirado à custa de grande esforço fisico, em courelas viradas a enxada, entre as seis da tarde e o anoitecer, ou no fim-de-semana.
O horizonte para os jovens era limitado, mesmo muito limitado, se não se era filho da classe média alta, que aqui se dizia “de tecelões para cima”, mesmo que fizesse à noite o cursinho da Escola Industrial, como foi o caso, o horizonte pairava sempre na indústria têxtil, ou serviços a ela complementares. Uma indústria sem futuro, mal gerida, com parque de máquinas obsoleto, que apenas sobrevivia, pelos baixos salários e a hermética economia do Estado Novo.
O rapaz que isto escreve envergava a bata de operário desde os 12 anos
O rapaz que isto escreve, desde os 12 anos que envergava a bata de operário têxtil na fiação e na cardação de uma das fábricas da Covilhã. Aqui assumia a sua vida numa consciência de classe cimentada entre a dureza do trabalho e a vivência com militantes operários de vários quadrantes mas também da Acão Católica como os militantes fundadores da Base-FUT, na Covilhã.
Com o salto económico e abertura dos mercados surgidos com o 25 de Abril, as empresas da Covilhã, com as caraterísticas já atrás descritas, não resistem e, das mais pequenas às maiores, umas atrás das outras, vão fechando as portas. Os operários já de si muito fragilizados, pois uma fábrica quando fecha em norma já deixara de pagar salários há muito tempo, são empurrados para o mar do desemprego, bracejando em todas as direções para sobreviver.
As ligações da região com a emigração já eram antigas e muito enraizadas (há quem diga que desde as Invasões Francesas a aldeia da Capinha), mas a maior incidência dá-se a partir dos anos 60, com várias hemorragias… Para se fazer ideia de 1981 para 1991, o concelho da Covilhã perdeu 20% da sua população. Em 2021, os valor dos censos ainda não tinha reposto essa perda daquela década.
É neste contexto que em 1980 concluo o serviço militar e me vejo condenado a uma profissão que não escolhera, para uma empresa com salários em atraso e os dias contados para fechar. A alternativa, ou a emigração para o estrageiro, ou emigrar para o litoral (Lisboa/Porto etc). É porém também neste contexto que surge a proposta para trabalhar a tempo inteiro na Organização Base-FUT, o “permanente”, assim se designava a figura de “uma espécie de sacerdote” que se dedicava de alma, corpo e tempo inteiro à organização.
Era muita a mudança….não foi fácil não!
Era muita mudança… ainda hoje penso, como consegui… Era como obrigar um Cão da Serra, criado na montanha, no meio do gado, a fazer uma vida de caniche, num apartamento da cidade, comendo ração selecionada e vir à rua em hora certa kkk.
Não foi fácil não…
Mas foram estes verdes anos 80, o período de ouro na vida de um jovem com 21 anos para descobrir todo um Mundo Novo, que o marcou indelevelmente para sempre e não teria essa oportunidade de outra forma:
– Trabalhar as dinâmicas de grupo, a gestão do tempo, as agendas das reuniões, a preparação dos encontros nacionais, a gestão das sensibilidades, (sobretudo nas tensõesentre Lisboa e Porto que as havia na altura kk).
– Perceber como funcionam as cúpulas das organizações e Movimentos sociais que lá na província as imaginávamos tão grandes e afinal são tão pequenas.
– Tudo o que era o espaço politico onde a Base-Fut se movimentava, desde o MAD – Movimento para o Aprofundamento da Democracia; A UEDS (socialista de esquerda), o Centro o Trabalho (pró – UDP); Os Mov. da Acção Católica JOC, LOC; O GRAAL; O Movimento de Estudos para o Desenvolvimento etc.
– As organizações sindicais onde havia pessoas da Base: CGTP; UGT, Sindicatos dos Escritórios, da portaria e vigilância, dos metalúrgicos, das Empregadas Domésticas.
– Os grupos ecologistas: – Amigos da Terra e Comité Antinuclear de Lisboa; ALLOC – Objetores de Consciência; A Agrobio, desse tempo.
– E a ERA-NOVA (Cooperativa do Zeca, Adriano, Fausto, Sergio Godinho etc) que só de si dava mais um capitulo…
Toda esta gente passava por aquela casa da rua de S. Bento 672, em Lisboa, onde a Base-FUT tinha a sede e este vosso amigo, trabalhava e habitava…
De todos eles falarei num próximo episódio se houver ocasião para isso. Mas foi esta a Base-FUT que eu conheci e que agora faz 50 anos.
*Jornalista,Animador Cultural e ex Dirigente da BASE-FUT