EXCELENTÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO PRESIDENTE DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA, D. JOSÉ ORNELAS
EXCELENTÍSSIMOS E REVERENDÍSSIMOS SENHORES BISPOS
Tentei encontrar algum posicionamento da Igreja católica relativamente ao mundo do trabalho no actual contexto social e político, mas, talvez por incapacidade minha, não consegui.
Paira sobre os trabalhadores portugueses a ameaça de uma designada “reforma estrutural”, ou seja, de um agravamento das condições de trabalho e emprego em vários domínios: salários, hor
ários, vínculos laborais. De forma resumida, o que se pretende é concretizar o caminho da desregulamentação, num campo onde os trabalhadores estão despojados de quaisquer direitos democráticos e, com estas “reformas”, cada vez menos direitos cívicos.
Não só direitos cívicos como também civilizacionais. A família já não tem como fazer valer o princípio bíblico segundo o qual “ao sábado não farás trabalho algum”, que abrangia toda a família, os próprios animais “e o estrangeiro que mora na tua terra” – é um retrocesso civilizacional de milhares de anos…! Este é apenas um exemplo, porque há mais, na medida em que esta política de reformas significa sacrificar a solidariedade social (Segurança Social, Saúde, Ensino…) à “economia” (seja lá o que isso for), em especial à economia de guerra! Importa lembrar e transmitir um agradecimento especial ao senhor Bispo do Porto, D. Manuel Linda, que em 2019 assumiu publicamente a defesa do direito ao Domingo, contra a abertura do comércio nesse dia. Mas, como vemos, o patronato não desiste.
Todos nós, que estamos minimamente informados, sabemos que o objectivo destas reformas é sustentar um sistema que, para se manter em funcionamento, tem de agravar ciclicamente a exploração dos trabalhadores. É esta a natureza do neoliberalismo, que vai assentando arraiais na nossa sociedade. Tudo em nome da modernidade e, afirmam, para bem dos cidadãos e das famílias!
Esta é uma das muitas ocasiões em que nós, cristãos, devemos manifestar as nossas posições de acordo com os princípios evangélicos e teologais. A opção preferencial pelos pobres não é compatível com equilibrismos que pretendem conciliar o inconciliável. Há que proclamar que é o ser humano, e não o dinheiro (há quem afirme que tudo se resume a “economia”), que é o centro e a fonte de valores e princípios e que se orienta por referências. E a nossa referência é Cristo, e a sua vida.
Somos hóspedes nesta terra que pertence a Deus. Se temos nas nossas mãos alguma possibilidade de administração desses bens e responsabilidades na organização da sociedade nos seus diversos domínios, então façamo-lo com sentido de Justiça e fraternidade. Fomos esclarecidos por Ele, que nos tem a todos por filhos e nos constitui irmãos, que devemos comer com o suor do nosso rosto – e não que temos o poder libertário de escravizar e viver à custa do trabalho, da miséria e do sofrimento do nosso semelhante.
Os trabalhadores sentem que estão sós num mundo marcado por profunda desumanização. Se nós, cristãos, não formos a esperança dos pobres, como poderá Deus manifestar a sua glória?
Os meus respeitosos cumprimentos
Joaquim Mesquita
Pardilhó, 29 de Agosto de 2025