Quanto mais eu ando…
Mais vejo estrada
E se não caminho
Não sou nada
Se tenho a poeira
Como companheira
Faço da poeira
O meu camarada bis
O dono quer ver
A terra plantada
Diz de mim
Que vou pela grande estrada
Deixem-no morrer
Não lhe dêem água
Que ele é preguiçoso
E não planta nada.
Eu que planto tudo
E não tenho nada
Ouço tudo e calo
Na caminhada
Deixem que ele diga
Que eu sou preguiçoso
Mas não planto em tempo
Que é de queimada. bis
(O Plantador – Geraldo Vandré,1968)
Avelino Pinto*
A canção de Geraldo Vandré (cantor brasileiro perseguido pela polícia política), avisa-nos: no mundo de hoje, o trabalhador é obrigado a ser escravo, ou, a comer (quando tem) e a calar, relegado para as periferias, com condições de vida que se degradam a olhos vistos.
Mergulhados em crise aguda (desde 24 de Fevereiro de 2024) que se propagou ao médio oriente e Áfica Central, interrogamo-nos, com razão: O que está, então a passar-se?
Os trabalhadores, passando por sofrimento quotidiano e pela descrença na capacidade dos políticos em resolver as situações, são atirados para a sociedade de consumo, e para a direitização. A resposta, dizem alguns pode encontrar-se no facto de o mundo caminhar para o comércio em vez da guerra, como propôs G. Pompidou – o futuro está no comércio. Será mesmo? No tempo dos romanos, a força dos exércitos impôs a pax romana, agora, a perspectiva comercial impõe-se, e factores vários como a Rota da Seda que a China pôs em marcha, de novo. Porém, há mais explicações como as repercussões do petróleo e do gaz (vindo em grande escala da Arábia) no clima e recentetemente, as terras raras.
A Era do dólar todo-poderoso
Com a globalização, o modelo de trocas universalizou-se, sustentado pelo poder da financeirização de todas as operações, uma onda que perverte tudo, desde o governo dos estados à gestão das empresas e à vida das famílias. Podemos afirmar – o deus dinheiro (dólar, rublo, iuan, petrodólares, bitcoins) é adorado publicamente.
Neste contexto, percebe-se que a modernização se sobrepõe à tradição, e que o indivíduo entregue a si próprio se afasta do colectivo. Urge inverter o cada um para si… raciocinar para alguns, com base no paradigma do domínio da dolarização/ /financeirização, um sistema suportado no dólar, com informação mundial, instantãnea. No entanto, uma questão se coloca: daqui a anos, o dólar ainda estará vivo? O movimento imparável dos
BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul) que já possuem 40% das transacções mundiais, fez sobressair as contradições do sistema a nível mundial. Uma das causas maiores, radica no aumento sem precedentes da riqueza dos multimilionários – oligarcas ou não, em vários paises – que o são à custa do empobrecimento dos trabalhadores.
_____
Algumas notas relacionadas.
* Recorda-se a visão que Breton Woods impôs: a ideia do fim do totalitarismo, e a liberdade do comércio assente na dolarização. Entretanto, o padrão ouro terminou em 1971, e ganhou força e sucesso o petrodólar. (Ver texto anexo.)
– “Globalização”, fenómeno que iniciou a deslocalização da produção industrial para libertar o ocidente do fenómeno da proletarização, exportando-o, sob a forma de trabalho escravo”, para os países em desenvolvimento, na expectativa da sua generalização. (Todd, 2024).
_______
Entramos num terreno desconhecido – Um mundo multipolar
Ouve-se, por vezes, perguntar: de que opressão falamos? Quem é agora, o inimigo?
À medida que o dólar avança, vamos empobrecendo, e o movimento do desenvolvimento ficou à mercê do neo-liberalismo trazido pela globalização, gerando consequências sentidas em todo o mundo. (Ver como o Clube Blooberg (texto em anexo, intervem em todo o sistema).
A que estamos a assistir, então? Andamos no nevoeiro, à procura de descobrir coordenadas de actuação individual e colectiva. Com a Europa desprotegida pelos Estados Unidos, e com a actuação dos BRICS a quererem impor-se e a fazer trocas na sua própria moeda, outras ondas rebentam na praia, enquanto o sistema está a mudar e a deslocar-se para outras paragens.
Depois do paradigma saido da guerra de 1945, de a ONU ter criado o Estado de Israel e ter prometido a criação do Estado da Palestina, a situação deteriorou-se, afastando-se cada vez mais deste objectivo. Agora, o mundo faz um ultimato ao dólar, enquanto um novo paradigma toma forma – o do comércio vs a guerra – desencadeador de outras alianças… ficando em aberto esta questão: o retorno à cooperação e às tradições, podem garantir estabilidade?
A alternativa ao mundo unipolar desenha-se, estando a caminho um mundo multipolarizado, com vários centros de decisão, desde os Estados Unidos à China, passando pela Europa, pela Rússia, Turquia, Índia, Coreia do Norte, Egipto…
Uma pergunta surge na nossa cabeça: como é que isto se equilibra? Pela guerra? Pelo comércio?
Precisamos de obter fontes de informação para analisar o contexto e construir uma narrativa credível, sabendo que as elites são favorecidas e que os trabalhadores ficam à margem.
Nesta fase, concepções antigas caiem, e quatro instâncias andam à procura de se normalizar e de se arrumar: a família, a ecologia/ambiente, a economia a justiça.
Não basta, porém, dizer aos outros – isto já não é o que era dantes – conscientes de que não temos na mão as cartas de marear. O caminho procura-se caminhando, o bom tempo espera-se no campo, possivelmente focando-nos no sistema educativo – em mudança em alguns países, na importância decisiva do saber fazer com novos instrumentos que nos conectam, e no domínio do digital, sem esquecer o retorno aos valores de antigamente, que ainda hoje, se torna fundamental replicar, e que apenas apontamos.
- O trabalho colectivo – todos têm um lugar e uma palavra a dizer;
- A gestão participativa – a participação aprende-se, fazendo participação.
- A ética do trabalho, fundada na inclusão – ninguém pode ficar de fora;
- A estética do trabalho – fazer bem o que estamos a fazer.
Os sondadores só nos oferecem um panorama incerto, nebuloso, de geometria variável.
Falta-nos um farol que aponte o caminho e nos dê a luz do discernimento para em cada momento sermos capazes de reconhecer o adversário e de nos conhecermos a nós mesmos, dizia Lao Tsé.
A esperança persiste, contudo, e tem a última palavra, como M. António Pina propõe:
“Ainda não é o fim
Nem o princípio do mundo.
Calma.
É apenas um pouco tarde.”*
O Prof. Nansen, por seu lado, respondeu a Joshua que lhe perguntou pelo caminho verdadeiro:
“Abre-te a ti mesmo, tanto quanto ao firmamento.”
(março. 2025)
* Notas do encontro/debate animado por Albino Lopes, organizado pelos Amigos de Aprender, tendo em conta o texto por ele escrito – A internacionalização das empresas: tensão dialética da finança e da economia, no sistema mundo, na governação dos países, na gestão das empresas e nas consequências ao nível das famílias.
- Mestre em Psicologia, Formador e Militante da BASE-FUT