Américo Monteiro*
Nem nas minhas horas de maiores trevas conseguia imaginar um cenário como aquele que hoje vivemos.
Deixem-me confessar-vos que por vezes pensava; um dia rebenta por aí uma ou outra bomba, ou ocorre algum ataque terrorista como aconteceu em Espanha, França, Alemanha, Inglaterra… e Portugal com esta dependência do turismo, a economia afundasse, vai por água abaixo. Embora estas situações normalmente prejudicam apenas onde a ocorrência acontece e o resto do mundo vai girando.
Pois bem, não foi nada disso. Uma peste, uma epidemia que se transforma em pandemia alastrando por todo o mundo e faz parar tudo. Dizem os entendidos que as perdas económicas vão ser avultadas e que as principais vítimas vão ser os trabalhadores e os seus empregos.
Desafios ao mundo do trabalho
Devido às minhas funções sindicais, sou membro suplente do CPCS (Comissão Permanente de Concertação Social) e tive a oportunidade de participar na primeira reunião extraordinária desta Comissão que se realizou a 9 de Março de 2020, tendo como ponto único em agenda: Ponto de situação, COVID,19.
Esta reunião decorreu ainda no local habitual e aberta ao número de participantes habitual. A partir dessa data passaram a realizar-se por videoconferência. Foi nesta reunião que foi apresentada a primeira base do documento do governo que mais tarde veio a dar no Decreto-Lei 10-G/2020, de 26 de Março.
Uma coisa é certa, em ninguém havia bem a consciência do que a realidade nos veio a impor. Discutia-se a criação de uma linha de Crédito de 200 milhões, para apoio à tesouraria das microempresas e PMEs, uma série de diferimento de amortizações e aceleração de pagamento de incentivos e débitos da administração pública, moratória nos cumprimentos de obrigações fiscais…
Vinha nesse documento a proposta de criação do regime simplificado de lay-off, que logo ali provocou uma reação da cgtp-in de discordância e chamada de atenção para os pressupostos iniciais que suscitavam vários pontos de preocupação e outros que se vieram mais tarde a confirmar: O elevado número de trabalhadores que podem vir a ser abrangidos; o corte salarial; o baixo grau de proteção dos trabalhadores contra despedimentos; o elevado custo para a segurança social; o debilitamento da relação laboral; o efeito económico recessivo…
Nesta configuração a segurança social é fortemente lesada, devido ao pagamento de uma parte substancial da retribuição e da isenção de pagamento das contribuições sociais patronais. Este custo pode ser elevado. O Ministro da Economia admite um acréscimo adicional de mil milhões de euros (MM€) por mês, pelo que o custo total pode ascender a 3 MM€, como afirma documento com posição da cgtp-in e que chama a atenção porque tudo isto é agravado pela secundarização do papel e promoção de uma participação muito ténue por parte das estruturas representativas dos trabalhadores.
O mundo sindical
Como é fácil de imaginar, o mundo sindical também nunca se tinha visto perante tal realidade. Embora haja gente que passa a vida a dizer que os dirigentes sindicais se fecham em gabinetes e estão afastados dos trabalhadores, o sindicalismo tem o seu ponto fundamental nos contactos pessoais, na vivencia da realidade dos problemas, na ligação presencial com os milhares de ativistas, delegados e dirigentes sindicais que estão no terreno.
Também a nossa primeira reação foi de procurar conhecer o fenómeno, gente da área da saúde dizia que sim é um problema, mas as proporções que veio a atingir não eram ainda equacionadas.
E damo-nos agora conta de que o Estado de Sitio/Estado de Emergência vem até impor restrições aos sindicatos de participação, de mobilidade e de luta..
Percebe-se que isto não surge por causa de sindicatos da cgtp. Todos eles, com maior ou menos capacidade de luta, foram suspendendo ou adiando as suas realizações, adaptando-se e respeitando as regras que o momento ou a lei impunham.
É bem claro que o movimento sindical vai viver momentos muito difíceis em especial porque quando os trabalhadores vivem momentos difíceis estes se espelham nos sindicatos dos seus sectores. Os sindicalistas são os próprios trabalhadores com os seus méritos e com os seus dramas.
Nos últimos tempos eram já muitas as interrogações sobre o papel dos sindicatos perante as novas formas de organização económica e de trabalho. Agora perante esta nova realidade muito mais se colocam estas interrogações e os desafios são de grande envergadura.
Vem esta realidade confirmar que a precariedade era um problema muito mais sério que aquelo que era visível porque eram muitos a esconder essa realidade e poucos a denunciá-la e procurando demonstrar a sua dimensão e as suas consequências.
Esta crise pandémica apanha o sindicalismo português numa fase problemática, difícil. A CGTP-IN no início de um novo mandato e nova Secretária Geral, pela primeira vez uma mulher o que só a valoriza, mas perde-se aqui aquele período necessário de entrosamento nas dinâmicas de animação de uma Central Sindical desta dimensão e, portanto, a rodagem tem de ser feita a um ritmo inesperado. Uma central sindical que apresenta muita rigidez de processos e fechamento a novas ideias e sugestões democráticas e edificadoras de um sindicalismo de classe.
Do outro lado está uma “Central Sindical” que o que se sabe é que o atual secretário geral se quer ir embora.
O futuro do trabalho e os trabalhadores
Nada nem ninguém está completamente preparado para algo assim, para viver numa sociedade de risco de vida. Receamos grande recessão económica e estamos diante de um iceberg em que se receia muito o que ainda não está à vista.
Mas para “breve” teremos o regresso de algumas atividades económicas. Como vão reagir os trabalhadores? O que se está a fazer para lhes dar confiança e proteção. Que formação para novas atitudes e comportamentos de cuidados higiénicos e de relações sociais. Os distanciamentos necessários apesar da vida em sociedade.
E quanto às obrigações das empresas quanto à saúde e segurança no trabalho? Como responder a estes novos tempos? Vai continuar a só interessar os ritmos de produção e os lucros?
Estou convencido que muita coisa vai ter de mudar no mundo do trabalho. Seria talvez avisado que uma estrutura como uma central sindical tivesse já grupos de trabalho a debruçar-se sobre áreas específicas, com sindicalistas, técnicos e trabalhadores das áreas, académicos investigadores e outros para elaborar propostas de resposta à situação que vivemos.
Aquilo que depende de nós trabalhadores, sindicatos, sindicalistas, deve ser tratado e bem tratado por nós com aqueles que nos podem ajudar. Encontrar consensos entre os trabalhadores e seus aliados para gerar consensos na sociedade e uma visão de futuro que tem tudo de incerteza.
O desafio maior para os dias de hoje é como construir novas solidariedades e viver essa solidariedade.
Braga, 14 de Abril de 2020
*Membro da Comissão Executiva da CGTP-IN,Coordenador Nacional da LOC/MTC Dirigente do CESMINHO