O papel dos sindicatos numa sociedade de capitalismo plataformizado

Isabel Roque*

Em pleno século XXI, num contexto socioeconómico de capitalismo predatório, pandémico e plataformizado, segundo o sociólogo Ricardo Antunes, as relações de trabalho são crescentemente flexibilizadas, desregulamentadas, informais e individualizadas. Todavia, numa era de capitalismo de plataformas, o debate sobre a relevância do papel dos sindicatos é cada vez mais premente, visto que os trabalhadores continuam a organizar-se e a lutar pelos seus direitos, recorrendo, sobretudo a novas ferramentas digitais, (re)organizando-se em novas configurações.

Ideologias anti-sindicalistas têm crescido 

No entanto, a presença de ideologias anti-sindicalistas tem crescido exponencialmente num contexto socioeconómico atravessado por várias crises: financeira, pandémica, ambiental e militar. O regresso às políticas de austeridade vem permitir que a precariedade laboral se agrave, sobretudo com a persistência dos salários baixos, da crescente desregulação laboral, controlo e vigilâncias pervasivos, assim como de situações de assédio moral incutidas, sobretudo a trabalhadores sindicalizados e dirigentes sindicais. Estas práticas são exercidas, sobretudo nas multinacionais que seguem as ideologias e a agenda do neoliberalismo agressivo e tecnocrático provenientes do Vale do Silício.

Em muitos casos, são precisamente estas as empresas que concebem e programam o algoritmo. Todavia, convém frisar que o algoritmo ou a inteligência artificial, é algo que se encontra dependente da programação humana e que poderá conceber a sua atuação como facilitadora ou destruidora da essência humana do trabalhador.

Empresas que operam numa lógica individualista 

Estas empresas, que se têm propagado de uma forma exponencial em Portugal, operam numa lógica individualista, oferecendo condições laborais bastante aliciantes, sobretudo para os recém-licenciados que procuram a inserção em empresas que lhes ofereçam uma oportunidade de construção de currículo, com uma aparente liberdade de autogestão do seu tempo, com acesso a benefícios múltiplos, como a possibilidade de poderem usufruírem de acesso a ginásio, piscina, yoga, espaços de lazer, cozinha, dormidas na empresa, entre outros. É ainda apresentado um quadro de formação contínua, com a aposta na progressão da carreira, sendo que a progressão salarial é sujeita a discussão com a equipa de recursos humanos, assim como qualquer outro problema que possa surgir.

Todas estas aliciantes benesses são oferecidas em troca de uma vassalagem que quase remonta aos tempos do feudalismo, onde através de uma espécie de “brainwash” e domesticação do seu homo faber, a vida laboral imiscui-se com a vida familiar. A vida do trabalhador passa a ser gerida em torno de uma nova família/comunidade que coabita num espaço controlado e vigiado pelas chefias, como que na casa do Big Brother, onde todos vivem subjugados a uma subserviência cega dos seus colaboradores, termo este bastante usado em detrimento do conceito de trabalhadores.

Porém, a situação mais peculiar reside no facto de que estas empresas se concebem como autossuficientes e a presença dos sindicatos não ser de todo desejada, pois todos os problemas e aspirações do trabalhador são resolvidas e negociadas de forma interna com a equipa de recursos humanos que se substitui e sobrepõe por inteiro ao papel negociador e protetor dos sindicatos.

Sindicatos devem actualizar as táticas de ação 

No entanto, e segundo Ricardo Antunes, estes trabalhadores, sobretudo plataformizados e digitais, compreendem uma mescla do burguês-de-si-próprio e proletário-de-si-mesmo que se anula e vende inclusivamente o seu direito à negociação coletiva e à sua vida privada e familiar.”É de salientar que este quadro persistirá enquanto este tipo de oferta de emprego for superior à procura, mas também devido ao papel ineficiente dos sindicatos e que incidem na falta de atualização das suas táticas de ação, sobretudo através do ciberativismo e do recurso à internet e redes sociais, assim como no desconhecimento da realidade do mercado de trabalho, e dos problemas e aspirações da classe trabalhadora, na falta de ligação e diálogo permanente com a mesma, e na incapacidade de lidar com as condições de trabalho atípicas e precárias dos trabalhadores.

Todas estas situações refletem-se no descrédito do papel dos sindicatos, na inexistência de negociação coletiva por falta de representatividade, no fraco diálogo social e na escassa sinergia entre os sindicatos. Todavia, existe um novo revivalismo, sobretudo no setor dos call centers (Sindicato dos Trabalhadores de Call Center) e do trabalho digital em plataformas (Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal) que tem optado pela sinergia com outros movimentos de protesto social e sindicatos, quer a nível nacional e internacional, e na luta por direitos não apenas laborais, mas humanos.

 

*Isabel Roque é Investigadora CES-UC e Ativista Social

 

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