Carlos Trindade*
Conheci o Fernando através da Maria das Dores Lopes, verdadeira sindicalista de base e da BASE, com quem partilhei a libertação do nosso sindicato em 17. Maio.1974 e com quem dei os primeiros passos e me lancei na “aventura” sindical.
Julgo que foi talvez no Inverno de 1974, na primeira sede da BASE, ao cimo da Rua de S. Lázaro, antes de se chegar ao Campo dos Mártires da Pátria, que o encontrei pela primeira vez e na qual reunimos várias vezes a propósito de problemas do sindicato, procurando o conselho amigo e experiente do Fernando.
O resultado desse conselho foi positivo – a acção proposta por ele resultou: uma carta bem esgalhada assinada por nós os dois para o então jornal do MES, o “Esquerda Socialista”, a exigir um desmentido formal e a reposição da verdade sobre uma calúnia que tinha sido publicada contra nós, a Maria das Dores e a mim, foi publicada no jornal!
O Fernando estava sempre disponível!
Esta foi a primeira vez porque muitas outras se seguiram (tantas que é impossível quantificá-las).Durante os cerca de quinze anos em que trabalhei com o Fernando, encontrávamo-nos para organizar trabalho, conversarmos e trocarmos ideias, para eu escutar os seus conselhos ou simplesmente para estarmos em amena cavaqueira sobre o sindicato, a CGTP-IN, o movimento sindical português, especialmente a CGTP-IN ou sobre a situação política nacional e internacional.
O Fernando, quer nas reuniões politicas quer nas trocas de ideias, dava sempre opiniões e orientações fundamentadas e sensatas, quer político-sindicais quer de acção reivindicativa; seja quanto a relações humanas sejam de animação de grupos; fossem de natureza ideológica fosse de acção política; de âmbito nacional ou internacional.
O Fernando estava sempre disponível para reflectir e aconselhar, sempre de forma Amiga – em reuniões políticas na BASE, em simples troca de ideias no seu gabinete no escritório da empresa, na Avenida Duarte Pacheco, ou em jantares descontraídos.
A influência da BASE na CGTP-IN nos anos de setenta e oitenta era extraordinária.
Recordo que o Sindicato dos Bancários do Porto foi ganho à Direcção do Avelino Gonçalves, membro do PCP e Ministro do Trabalho no primeiro Governo Provisório de Palma Carlos, numas eleições democráticas por uma lista presidida por Júlio Ribeiro, membro da BASE; recordo que o Sindicato dos Jornalistas foi presidido por Cesário Borga, membro da BASE; recordo que a Maria Emília Reis e a Camila Pereira, membros da BASE, dirigiam o Sindicato do Vestuário do Porto; recordo queo Manuel Tavares animava uma forte equipa no Sindicato da Função Publica do Sul; recordo que a Vitória Pinheiro tinha influência no Sindicato dos CTT (SNTCT, então dirigido por um membro da UDP, o Ortiz); recordo que o próprio Fernando animava uma equipa no Sindicato dos Escritórios de Lisboa (então um dos maiores e mais influentes de Portugal) e que se chegou até a apresentar em lista própria a umas eleições. Recordo também o Armando Santos e a Margarida Cigarrilha no Sindicato dos Seguros do Sul, o Silvério no Sindicato dos Electricistas de Lisboa, o José Manuel na Construção Civil em Castelo Branco, e muitos outros que não conheço ou não me recordo…..
Estes são mais alguns exemplos a juntar aqueles que são referidos (o do Sindicato das Domésticas e do Sindicato da Portaria, Vigilância e Limpeza) – esta era a influência concreta da BASE e o que acabei de referir somente peca por defeito pois haverá muitos outros que não conheço.
A primeira organização a teorizar e defender a autonomia sindical
Podemos dizer que a BASE, depois do PCP, era então a organização politica que mais trabalho sindical estruturado tinha em Portugal.
Quando a BASE criou o SIS – Sector de Intervenção Sindical – e este, depois de um grande debate definiu os seus princípios (de um sindicalismo de base, de massas e de classe) e que fez da autonomia sindical a linha mestra da ideologia (e não nos podemos esquecer que a BASE foi a primeira organização politica em Portugal a teorizar e a defender a AUTONOMIA SINDICAL!), que se cruzava harmoniosamente com a consigna da própria BASE, “SÓ OS TRABALHADORES LIBERTARÃO OS TRABALHADORES”, a organização tinha efectivamente uma real influência na CGTP-IN.
Porém, podemos referir que a influência dos militantes da BASE e da característica da sua militância não existia só na CGTP-IN pois também existia no movimento sindical português, concretamente, na própria UGT – recordo que o Armando Santos, já depois de ter saído da BASE, chegou a ser presidente do Sindicato dos Seguros do Sul, um dos mais fortes da UGT. Os métodos de trabalho, de acção política e de relacionamento humano não se deixam à porta……
A participação do J. Calhau na Comissão Executiva da CGTP-IN a partir de 1977 e, posteriormente, após a sua saída, da Maria Emília mas, fundamentalmente, o convite feito pelo J.L. Judas para que o Fernando assumisse a responsabilidade do Departamento Internacional da CGTP-IN, expressa a real influência sindical da BASE na CGTP-IN.
Hoje, a esta distância histórica, podemos especular intelectualmente – que rumo teria seguido a CGTP-IN, caso o Fernando tivesse aceite o convite e, devido ao seu trabalho internacional, à sua influência politico-sindical e às suas capacidades de trabalho, a CGTP-IN se tivesse aproximado ou, provavelmente, se tivesse mesmo filiado na CMT??
Não sabemos, mas, no mínimo, o Fernando teria tido, sem duvida, o merecido reconhecimento publico, em Portugal e no Movimento Sindical Internacional, como um dos mais prestigiados sindicalistas da CGTP-IN!!!
O Fernando Abreu foi determinante no seu tempo e no seu espaço
Na BASE, o Fernando, com a sua experiência, sabedoria, sensatez, consciência politica, firmeza ideológica e humanismo fraterno era o polo aglutinador mas, simultaneamente, o centro difusor da intervenção politica e da acção sindical da organização.
Muitos militantes o podem testemunhar – eu faço-o neste momento!
E foi-o, estando sempre a trabalhar no seu emprego, retirando do seu tempo livre a disponibilidade para ser “animador” da BASE e o inspirador e/ou apoiante de sindicalistas (como é o meu caso).
Eu saí da BASE no início dos anos noventa porque me filei no Partido Socialista.
Até essa altura sempre o Fernando esteve disponível para trabalharmos politicamente e conversarmos quando eu tinha uma qualquer dificuldade ou problema.
Mesmo depois, passados cerca de vinte e cinco anos, sensivelmente nos anos dois mil e quinze, quando lhe solicitei que fosse respondente de um inquérito para sustentar o meu trabalho universitário, o Fernando continuou disponível, dando-me então um importante testemunho que, mais uma vez, contribuiu para o êxito desse trabalho!
O Fernando Abreu, que foi determinante no seu tempo e no seu espaço para a organização e para muitos militantes, é uma daquelas pessoas que infelizmente somente um número reduzido de militantes, de iniciados num círculo de afinidades, conhecem porque tiveram o privilégio de trabalhar e conviver com ele.
Eu devo testemunhar porque que fui um deles – ao seu trabalho, à sua acção, à sua militância e à sua Amizade, neste ano em que faz oitenta e oito anos, eu presto homenagem.
OBRIGADO, FERNANDO, COM UM GRANDE ABRAÇO DE PARABÉNS!!!
Quinta do Conde, 5-8-2021
Carlos Trindade,
*Dirigente da CGTP, Membro do Comité Económico e Social Europeu,Mestre em Ciências Políticas.