Abel Pena*
Em ano de bazuca, de crise e de promessas milionárias, os olhares vão fixar-se nos messiânicos milhões a fundo perdido. À cautela, é sempre útil não esquecer a máxima proverbial atribuída ao imperador Vespasiano, em circunstâncias absolutamente inesperadas, como se verá a seguir.
Vespasiano (9-79) foi o fundador da dinastia dos flávios. Oriundo de uma família plebeia, casou com Flávia Domitila de quem teve dois filhos, Tito e Domiciano, e uma filha, Domitila. Em 67, Nero enviou para a Judeia Vespasiano com a missão de esmagar a revolta judia de 66, comandada pelo então pelo general da Galileia Yossef ben Matityahou (José, filho de Matatias). Sitiado pelos romanos no terrível cerco de Jotapata, o general rebelde acabou por se render e entregou-se à causa romana. Adoptou mais tarde o nome gentílico dos Flávios sob o nome de Flávio José (Titus Flavius Josephus) e tornou-se o principal cronista da dinastia flaviana. Autor de muitos escritos autobiográficos e históricos fundamentais, a ele se deve o mais importante testemunho da chamada Guerra dos Judeus, livro que ele próprio terá oferecido ao imperador.
Em Roma, a primeira guerra civil (68-69), depois da morte de Octávio Augusto, abalou o império e levou ao colapso do sistema financeiro romano. Em 69, em plena guerra da Judeia, Vespasiano é aclamado imperador pelas suas legiões sob o nome de Imperator Titus Flavius Vespasianus Augustus. Em Dezembro de 70, Vespasiano faz a sua entrada triunfal em Roma.
Pecunia no olet. Vespasiano foi um imperador notável. O seu reinado ficou marcado pela acção política, económica e cultural. Reformou as instituições do estado, manipulou o consulado a favor dos seus filhos, designando-os seus sucessores. Com este golpe, o senado, maioritariamente aristocrata, perde influência e poderes. Mas as resistências da aristocracia romana e de grupos de filósofos estoicos a estas medidas serão por demais evidentes e tornar-se-ão demolidoras anos mais tarde. Depois de uma guerra civil devastadora e do esbanjamento sem limites do tesouro durante o reinado de Nero, Vespasiano restabeleceu as finanças do estado, graças a medidas fiscais enérgicas. Às classes que até então estavam isentas de impostos retirou esse privilégio e impôs condições restritas de financiamento; aumentou os impostos em várias áreas produtivas e aplicou uma taxa altíssima às latrinas públicas, impondo um novo imposto sobre a recolha de urina (um agente fixador utilizado na altura para fabricar tintas). Face à fúria da população e do senado, justificava Vespasiano este novo imposto com uma frase que ficou famosa e proverbial até aos dias de hoje: pecunia non olet: o dinheiro não tem cheiro.
Graças a esta política fiscal, em 75 iniciou a construção do colossal anfiteatro flaviano nos terrenos do imenso palácio de Nero, a célebre Domus aurea (casa dourada), parcialmente destruída pelo incêndio de Roma. Esse gigantesco anfiteatro flaviano viria a receber o nome de Coliseu durante a Idade Média e é assim que ficou conhecido, sendo ainda hoje um dos sítios mais visitados de Roma. Mas há uma explicação para a mudança de nome: é que nas proximidades do anfiteatro flaviano havia uma estátua também colossal de Nero com uma altura de 30 metros que rivalizava com o imponente anfiteatro. Assim, ‘cada macaco no seu galho’ como diz o povo. Vespasiano morre em 79, aos 70 anos.
*Professor Aposentado da Faculdade de Letras de Lisboa, Dirigente Associativo