Solange Pereira*
De todos os problemas ligados ao final da vida, provavelmente a Eutanásia é o mais estudado, embora nem sempre de forma adequada. Não há unanimidade sobre o assunto, pois não podemos falar de uma bioética, mas de várias.
A bioética nasceu como ciência nos anos 70, como resposta aos abusos que se tinham cometido contra o ser humano, sobretudo pelo regime nazi, na Alemanha, e por algumas experiências médicas sobre pessoas de grupos desfavorecidos. Porque há várias visões éticas sobre o valor da vida, não é de estranhar que as conclusões possam ser diferentes e até opostas. De todas as correntes existentes, podemos dividi-las, segundo os autores, em dois grandes grupos: a chamada bioética católica que defende o princípio da sacralidade da vida e a bioética laica que defende o princípio da qualidade da vida. No entanto, esta divisão não é a mais acertada, pois a bioética não é católica nem laica: é bioética.
É interessante notar que a eutanásia não é um assunto novo. Autores como Aristóteles, Platão ou Tácito eram a favor da eutanásia. Já Pitágoras, Hipócrates, Cícero, Galeno e Virgílio eram contra. Podemos definir a eutanásia como uma ação médica sobre uma pessoa com doença incurável em fase terminal, ou sobre uma pessoa com dor insuportável, ou ainda sobre uma pessoa cuja vida é entendida desprovida de qualquer valor, para lhe provocar a morte de maneira indolor, com o objetivo de não a fazer sofrer mais.
Com o avanço da medicina, da farmacologia e da engenharia biomédica, hoje é possível prolongar a vida humana. É este prolongar da vida indefinidamente, em condições de perda da autonomia e qualidade, que levanta novamente a questão da eutanásia.
As correntes bioéticas que tem por base os princípios da qualidade de vida e da autonomia entendem que a eutanásia é permitida, recorrendo às seguintes razões: negar o encarniçamento terapêutico; apelo ao princípio da qualidade de vida; pedir a eutanásia é a mais alta expressão da liberdade humana; direito a uma morte digna; é um ato de amor, de piedade diante do sofrimento atroz da pessoa que amamos; apelo ao princípio de beneficência; autodeterminação – autonomia do paciente, com direito de dispor da própria vida quando entende que ela já não tem qualidade para ser vivida; incapacidade dos sistemas de saúde poderem cuidar das pessoas que se entendem já não terem qualidade de vida, entre outros.
Por outro lado, as correntes de bioética que tem por base o princípio da sacralidade da vida encontram nestas razões argumento suficiente para serem contra ao recurso da eutanásia: indisponibilidade absoluta da vida humana inocente que é um bem por si; violação da lei de Deus: “não matar”; violação de um direito inalienável e não disponível; o valor e a dignidade da pessoa não são uma função da sua qualidade de vida; ataque à profissão médica: o médico está ao serviço da vida, da qual faz parte a morte natural (no juramento de Hipócrates é clara a proibição de dar a morte a alguém, ainda que lhe seja pedido); o perigo do eugenismo, entre outros.
A visão judaico-cristã olha para vida como um dom de Deus (Princípio da Sacralidade), pelo que, em regra, nem por ação nem por omissão se deve tirar a vida a alguém. A vida, não sendo um valor absoluto, é um valor fundamental.
Então, deve-se manter viva uma pessoa a qualquer custo? Não. Numa alocução em 1957 do papa Pio XII, encontramos com clareza o pensamento da Igreja sobre este assunto: “na iminência de uma morte inevitável, não obstante os meios usados, é lícito em consciência tomar a decisão de renunciar a tratamentos que procurariam apenas o prolongamento precário e penoso da vida, sem, contudo, interromper os cuidados normais devidos aos doentes em casos semelhantes”. Ou seja, o pensamento católico é contra o encarniçamento terapêutico ou distanásia, mas também contra o abandono terapêutico.
*Solange Pereira é Presidente da Juventude Operária Católica.Este artigo foi inicialmente publicado pelo JO, jornal militante da JOC.