Fernando Abreu*
A Base-FUT, a nível regional do Porto, e nacional, nos seus “sites”, destacou, imediatamente após o seu falecimento, o valor da vida militante da Companheira que, pela sua ausência física, representa o desaparecimento físico de uma dirigente de excepcional dedicação à causa da promoção das trabalhadoras e dos trabalhadores portugueses.
Pelo que este meu pequeno Memorial é feito a pensar quanto é importante que os vindouros militantes tenham a oportunidade de conhecer aspectos importantes da vida militante dos seus antepassados, e que tal conhecimento possa contribuir para, no futuro, os ajudar a ultrapassar aqueles dolorosos momentos em que, inevitavelmente, somos assaltados pela dúvida: vale a pena lutar?!
A dirigente da Base-FUT do Porto no seu escrito diz-nos que a Angélica foi militante do nosso Movimento “desde a sua origem até à data da sua partida”, e, permito-me acrescentar que, ela foi das primeiras mulheres do Norte a aderir ao clandestino Movimento BASE.
A nossa o Angélica era uma mulher de fé e de ação, sempre pronta a enfrentar as dificuldades ( e se as teve) tanto na LOCF como, mais tarde, no Sindicato e na Cooperativa.
E, é, a tal propósito, que me ocorreu tornar conhecido, e que, de certo modo, posso considerar o seu Testamento Militante, passagens do seu Documento escrito quando terminou o seu mandato de 3 anos como Presidente da LOCF do Porto, intitulado um “Pequeno Apontamento Sobre a Minha Experiência Como Presidente da LOCF”(1).
Nele, a Angélica refere que ,quando jovem, pertenceu à Juventude Agrária Católica (JACF), em Bragança, e que só aos 33 anos encontrou a Liga Operária Católica Feminina (LOCF), para, logo no ano seguinte, surpreendentemente, se ver proposta para Presidente Diocesana, missão que aceitou.Confessa que “não estava preparada” tanto mais que, por essa altura a situação era “desastrosa” por motivo de estar a verificar-se uma “grande desfiliação”motivada por os Movimentos Operários da Ação Católica estarem a passar por “uma reviravolta nas linhas orientadoras” .
Prossegue, e de forma humilde, revela a sua satisfação pela ação realizada nos 3 anos em que exerceu o cargo (1968/1971), dizendo-nos, de forma quase poética, que aconteceram “coisas muito lindas” que demonstraram “a capacidade das mulheres Operárias” que despertaram para os problemas da fábrica, para a criação de creches, a sanidade das zonas em que viviam, e a ida às repartições para se inscreverem nos Cadernos Eleitorais. E, acrescenta: algumas destas mulheres participavam nos Cursos organizados pelo CCO sobre sindicalismo, cooperativismo, ensino.
A Angélica, dada a sua qualidade de simples trabalhadora doméstica, nunca sentiu a necessidade de se autopromover, e confessa : foi “Com muita dificuldade, uma vez presidente, comecei a redigir alguns documentos..”.
Na sua humildade(o que, infelizmente, alguns “esquecem”), ela , em todas as suas intervenções, referia e destacava as “escolas” em que havia adquirido consciência da sua dignidade de trabalhadora e nas quais se preparara para os compromissos militantes que, com Amor, assumiu: nos Movimentos Operários da Acção Católica, no Sindicato das Trabalhadoras do Serviço Doméstico, na Cooperserdo e na Base-FUT.
Ainda não há muitos anos, ao ser entrevistada (2) sobre a sua participação na criação do Sindicato das Trabalhadoras Domesticas, justificou a sua participação, dizendo, simplesmente: “porque eu estava ligada ao Centro de Cultura Operária e era aí que a gente compreendia estas coisas e íamos, transmitindo umas às outras”, o que contribuiu para que a Entrevistadora concluísse (pag.235) que os Movimentos Operários da Ação Operária e o CCO foram uma “escola formativa em que (as trabalhadoras) adquiriram “consciência de classe”.
Fernando Moreira de Abreu – Algés,5 de Setembro de 2022
- Testemunho publicado in. Liga Operária Católica – L.O.C. – Apontamentos para a Sua História – 50º. Aniversário – 1937-1987, Autoria de Porfírio Hnerique Campos Borges, Edições E.D.O.C., Porto 1988.
- “Mulheres em Luta” de A. Celeste Vieira, Edições Afrontamento, 2018.
- Fernando Abreu foi sindicalista, dirigente dos Movimentos da Ação Católica Operária, fundador e diirigente da BASE-FUT