Economia solidária e participação cidadã na Catalunha (1)

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Avelino Pinto e Júlio Ricardo

Em Março (2021), o Jordi Estivill (professor de Economia Soliária em Barcelona e no ISCTE), na conversa partilhada com os Amigos de Aprender, debateu A participação cidadã na Catalunha; as origens; formas de intervenção; a relação cidadania – poder local e regional; a economia solidária

Desde 1940 que as organizações operárias da Catalunha se focaram em alguma polivalência, como respostas às problemáticas sentidas pelos trabalhadores: cooperativas, cantinas, bolsa de trabalho e associações, sendo forte a luta pelo direito de associação.

Esta polivalência também se encontra em Portugal, na mesma época. Por não haver Segurança Social Pública, as pessoas encontraram forma de satisfazer as necessidades essenciais, através da criação de organizações que assumiam múltiplas polivalências. Nessas décadas, há referências a intercâmbios significativos entre organizações de trabalhadores catalães e portugueses, e um manifesto dos trabalhadores catalães a favor dos trabalhadores portugueses. Há também relatos da ida de uma delegação portuguesa à Catalunha para conhecer as experiências associativas de trabalhadores.

Face às muitas dificuldades das classes operárias e mais populares, de diversos níveis nomeadamente na Inglaterra, País Basco e Catalunha, começou-se a desenhar-se a pujança do movimento anarquista e libertário que evidenciou uma importância significativa em Portugal, Espanha, Itália e França.

Com a hegemonia da ideologia fascista, esses movimentos operários foram perseguidos e perderam muita influência no mundo operário. No entanto, na Catalunha, o movimento anarquista e libertário manteve a sua capacidade de organização e de luta durante a Guerra Civil de Espanha (1936-1939), organizando a auto-gestão nas fábricas e nos campos, no apoio e envolvimento com a causa republicana.

Na ditadura de Franco, o movimento foi muito perseguido. Com o seu desaparecimento, aconteceu um forte renascimento do movimento cooperativista (neste momento, a Catalunha conta com cerca de 5000 cooperativas) de base popular, que responde às diferentes crises, a começar pela crise do petróleo.

Em Espanha cada região tem uma abordagem diferenciada da economia social

Hoje, não existe uma Economia Social e Solidária – ESS – que se identifique com a totalidade do Estado Espanhol. Cada região tem uma abordagem diferenciada: no País Basco predominam organizações de ESS verticalizada, como a Cooperativa Mondrágon, na Andaluzia predominam as cooperativas agrícolas.

Na Catalunha, é possível identificar 16500 iniciativas no âmbito da ESS que representam 6 a 8% da força de trabalho catalã e são uma alternativa e resposta ao sistema capitalista, havendo respostas cooperativas desde, o apoio à primeira infância, saúde, cultura, energia, telecomunicações, aos funerais

Eis a definição de Economia Solidária construída no âmbito da reflexão no seio da XES – Rede Catalã de Economia Solidária: um conjunto de iniciativas sócio-económicas que, de forma associativa e cooperativa criam, dinamizam e desenvolvem democraticamente processos de produção, de intercâmbio, de gestão, de criação e desenvolvimento de moedas sociais, de consumidores, para satisfazer necessidades e que se guiam por relações de solidariedade, de cooperação, de reciprocidade e auto-gestão, defendendo os valores comuns, culturais e sociais, assim, como a transformação da economia e da sociedade, para a promoção da sustentabilidade e da vida.

É importante o sistema de redes locais, que agrega todo os que partilham os valores e os princípios da ES., modelo que se ramifica e estende pelo território, conetando-se em rede, a antítese da concentração que se vive no País Basco.

Pouco a pouco, foi-se estruturando um sistema de Economia Solidária que encontra novas soluções articuladas em rede, com base no pensamento estratégico: é preciso resolver os problemas das pessoas e os problemas comunitários.

Deste modo, a Catalunha chegou à banca ética e solidária, com soluções que vieram de Itália (Banca Popolare Ética), da Alemanha e da Catalunha, como a Coop 57.

Para Espanha, a Fiare Banca Etica (https://www.fiarebancaetica.coop/) nasceu da união de dois projetos baseados na ética financeira: o Banca Popolare Etica, um banco cooperativo que atua na Itália desde 1999, e o Fiare que atua na Espanha desde 2005. A Fiare Banca Ética quer ser uma ferramenta para a transformação sócio-económica, pelo financiamento de projetos na economia social e solidária e a promoção de uma cultura de intermediação financeira, sob os princípios da transparência, participação e democracia.

Realizações da rede XES de economia social da Catalunha

Por sua vez, a XES – Xarxa (rede) d’Economia Solidària (https://xes.cat/) começou em meados da década de 1990, num processo iniciado entre cooperativas catalãs e brasileiras durante o Fórum Social Mundial (Porto Alegre). Após um longo processo de debate e reflexão contínua, com o impulso da Federação das Cooperativas de Trabalho da Catalunha, o nascimento da XES culmina com a assinatura do manifesto constitucional, (novembro de 2002) e a Assembleia Plenária da Constituição, em fevereiro 2003.

Hoje, a XES – uma organização composta por mais de 400 membros – defende um sistema económico que respeite as pessoas, o ambiente e os territórios e funciona sob critérios democráticos, de horizontalidade, transparência, equidade e participação.

Numa visão muito rápida, as principais realizações da XES são:

Fira – organização da Fira (feira)de Economia Solidária, todos os anos. Este ano será a 10ª

Balanço social – a partir de 49 indicadores (que dão a evolução da ES desde 2007), faz-se a aferição dos valores vividos e praticados pelas organizações de economia solidária.

Pam a Pam – é um roteiro catalão de iniciativas e ações de Economia Solidária que identifica uma iniciativa de ES perto de casa ou ao longo do percurso de uma viagem.

Editora, que publica livros na área da ES, assim como uma coleção de livros pedagógicos, sobre diversas temáticas -economia feminista, finanças solidárias, transição ecológica, etc.

Escola de Verão – durante três dias acontecem debates teóricos e práticos, no mesmo local ou de forma descentralizada.

Ligação às Universidades – dois cursos de pós-graduação na Universidade de Barcelona e na Universidade Autónoma de Barcelona, onde a XES é parceira.

Realce-se que, a transmissão de conhecimentos, práticas e valores da Economia Solidária entre gerações, envolveu muitos jovens nas práticas, iniciativas e formação académica para aprofundar os princípios e os valores das ES.

Relações da Economia Solidária com a Administração Pública

A partir de 2010/11, na continuidade do movimento dos indignados, aprofundou-se uma relação crítica entre a Economia Solidária e a Administração Pública. Para as eleições autárquicas, a XES formulou 14 medidas (agora são 20) que apresentou aos partidos políticos, tendo alguns dito que sim, mas depois não as aplicaram.

Algumas autarquias propuseram de novo, as medidas, para as eleições seguintes, com ampla divulgação nos jornais e TV. E, surpresa agradável, algumas autarquias foram sensíveis à aplicação de certas medidas. Veja-se o exemplo do Município de Barcelona que criou um comissariado e debateu o Plano para o Desenvolvimento da ES – 2021/2023

(https://ajuntament.barcelona.cat/economia-social-solidaria/ca/que-es-leconomia-social-i-solidaria).

O processo irradiou por uma rede de 50 autarquias que facilitam e dão valor à Economia Solidária na Catalunha, afirmando-se no sentido político, mas não no sentido partidário.

 

Com os contribiutos de Júlio Ricardo e Avelino Pinto (Julho, 2021)

*Depois da comunicação do Jordi Estivill, seguiu-se um tempo de debate, de que daremos conta em breve.

 

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