António Brandão Moniz*
Partilho a ideia de que a maioria absoluta obtida pelo PS nas recentes eleições se deve ao receio que muitos eleitores, em particular os indecisos, teriam de que o PSD pudesse vir a ter uma maioria de deputados na Assembleia da República. As causas desse receio já foram muito analisadas e apontam sobretudo para o papel que as sondagens de opinião poderão ter tido nas últimas semanas antes de 30 de janeiro. Não irei, portanto, focar a minha opinião nesses factos.
Talvez o que pode ser mais importante agora é o que o PS vai fazer com essa maioria. Existem várias opções: a) voltar a uma atitude arrogante típica de quem obtém uma maioria absoluta e, assim, pode fazer o que quiser; b) procurar o diálogo com todos os partidos em temas controversos de modo a obter posições tendencialmente consensuais; ou ainda c) procurar esse diálogo apenas com partidos de esquerda, ou d) com o PSD e, eventualmente, com o IL e o PAN.
A atitude mais simples e tradicional é a referida em a), onde o PS terá de ganhar competências internas, quando antes as ia buscar a independentes e às posições de esquerda. Os temas associados ao trabalho, à formação profissional, ao mercado de emprego, são disso exemplo. Grande parte das disposições legais produzidas nos últimos anos foram resultado de um diálogo intenso e de uma colaboração intensa e aberta.
Essa é uma das razões por que lideres empresariais se mostram tão interessados nesta maioria absoluta para que possa, assim, reverter a influência que o BE e a CDU tiveram nos últimos anos. Mas, encontrar essas competências internas vai ser difícil porque em muitas áreas o PS as não tem. O que pode vir a acontecer com esse fechamento, é a criação de novos normativos muito limitados, deficientes, e que vão marcar uma legislatura conflituosa e provocar uma tensão no campo do diálogo social e da negociação coletiva.
A conflitualidade social poderá vir a ser ainda mais marcada e clara que a opção d) se manifestar, ou seja, se o PS procurar dialogar sobretudo à sua direita, com o beneplácito dos empresários e da Comissão Europeia. Os custos poderão ser significativos e obscurecer os efeitos que o PRR poderia trazer.
Parece estarmos, então, perante uma situação paradoxal em que, apesar de uma maioria absoluta, o PS deveria ser capaz de desenvolver uma estratégia de negociação e de clarificação de temas que requerem competências de avaliação. Os recentes ciberataques, a discussão sobre a semana de 4 dias de trabalho, a mineração de lítio, o aumento de formas de trabalho em plataformas digitais, ou até a discussão acerca da relação entre produtividade e salários, requer maior competência técnica que aquela que temos vindo a conhecer. Sem o devido envolvimento de especialistas de fora da área de influência governamental, podemos acabar por ter decisões e legislação muito limitada e que pode trazer para a rua as tensões que já parecem ser evidentes.
Emprego e trabalho serão tema central do debate político
De todas as formas, o trabalho e o emprego serão temas que virão a ter um papel mais central no debate político. Todavia, durante o debate eleitoral, este não foi o tema central. Os eleitores não encontraram aqui os motivos claros para as suas opções de votação. Mas, agora o debate político vai ter de encontrar soluções para problemas que a realidade coloca a todos.
O governo terá uma capacidade de ação que irá limitar o parlamento. Mas, justamente, o parlamento poderia ser o local onde a avaliação desses desafios e a clarificação de alternativas possíveis poderia ser feita. Será, sem dúvida, um exercício difícil. Mas, aqui António Costa tem a possibilidade de se revelar um político de calibre bem diferente do de Cavaco Silva.
Precisamente agora, a miragem de uma governação autocrática pode facilmente tornar-se realidade. Mas esse seria o caminho menos inteligente e mais fácil.
*Professor da Universidade Nova de Lisboa e diretor do Observatório de Avaliação de Tecnologia