António Brandão Guedes*
A CGTP realiza o seu Congresso nos próximos dias 23 e 24 de fevereiro.Numa grande assembleia,neste caso de sindicatos,a histórica central sindical portuguesa debate o trabalho realizado e aprovará as linhas de orientação político-sindical para os próximos quatro anos.Normalmente refrescam-se também os órgãos dirigentes da Organização.
Embora este debate seja fundamentalmente dos sindicalistas da CGTP não podem outras pessoas ligadas ao trabalho deixar de falar neste evento que tem significado e importância para a sociedade portuguesa, nomeadamente partidos políticos e outras organizações de trabalhadores e movimentos sociais.
Lendo o projeto de programa de ação há apenas continuidade estratégica em todos os sentidos,ou seja, são apresentadas as mesmas receitas para os problemas que afectam a classe trabalhadora.Também é verdade que a maioria dos problemas são os mesmos ,alguns dos quais agravados!
Todavia, nos últimos quatro anos, atravessados por uma trágica pandemia , uma guerra na Europa e uma inflação histórica, houve mudanças sociais e culturais assinaláveis na sociedade portuguesa e em toda a Europa.Mudanças no trabalho e na realidade sócio-política com o crescimento das ideias conservadoras e de extrema direita.Este caldo cultural e político que emerge deve necessáriamente preocupar os sindicalistas e responsáveis de organizações sociais e políticas.
Algumas preocupações e interrogações
Neste sentido avanço com algumas preocupações que não são apenas minhas:
1.Perante um capitalismo cada vez mais predador dos recursos naturais e dos trabalhadores não será necessário aprofundar a unidade sindical a nível nacional e internacional?Não será necessário um reforço das ações conjuntas envolvendo todas as organizações que defendam os direitos dos trabalhadores,independentemente da inspiração política das mesmas?Ações que também mostrem à sociedade portuguesa,aos cidadãos em geral, que os sindicatos se unem à volta de valores essenciais como a defesa dos trabalhadores e o aprofundamento da democracia?
A nível internacional não seria importante a filiação da CGTP na maior central sindical mundial, a Confederação Sindical Internacional(CSI,) aceitando o desafio de trabalhar com a maioria dos sindicatos sem ter como obstáculo a ideologia dos mesmos,mais ou menos social democrata?Tal não significaria abandonar a colaboração com outras organizações sindicais com as quais a CGTP se sente mais próxima.
2.Perante a erosão dos serviços públicos,nomeadamente da saúde e escola pública,perfilhando-se no seu horizonte o esvaziamento/mercantilização dos mesmos não seria de promover uma forte e ampla aliança sindical na base de um programa reivindicativo e mobilizador envolvendo utentes do sistema de saúde e encarregados de educação e que tivesse como objetivo apoiar o fortalecimento da escola pública e do SNS?Uma estratégia mais política do que corporativa que procurasse compatibilizar o trabalho digno,nomeadamente a defesa dos direitos dos trabalhadores, com o objetivo de fortalecer os serviços públicos?
3.Face às novas formas de trabalho,à individualização do contrato de trabalho,teletrabalho e desvalorização da negociação coletiva,bem como os desafios da inteligência artificial não seria importante aprofundar o debate sobre como alargar a representatividade sindical,face à diminuição preocupante da sindicalização,como organizar os teletrabalhadores e outros trabalhadores digitais?
Que experiências estão ocorrendo neste domínio nos vários países da Europa e como aproveitar também o saber e os estudos dos cientistas sociais e centros de investigação colaborantes?
4.A meu ver é também necessário repensar a estratégia sindical no setor dos transportes.As lutas neste setor, nomeadamente as greves,castigam particularmente os trabalhadores no ativo e mais pobres, apofundando cada vez mais a animosidade anti grevista em muitos cidadãos que pagam o seu passe e são muito mais prejudicados que as próprias empresas de transportes.As formas de luta devem ter em conta esta situação e a percepção dos cidadãos sobre as mesmas lutas.Não será necessário criar protestos e formas de luta que melhorem a confiança dos trabalhadores nos sindicatos e que os lesem o menos possível?
- Finalmente uma última questão.Como mobilizar mais activamente os trabalhadores reformados no quadro do Movimento sindical.Mais do que organizar os reformados em organizações próprias nãos seria melhor organizá-los no quadro de cada sindicato?Hoje ser velho é um estigma e uma organização só de reformados não tem sido frutuosa em Portugal.Hoje os reformados têm mais anos de vida e novas competências que podem ser úteis aos seus sindicatos e não devem ser acantonados em organizações que só pensam nos problemas dos reformados.Hoje o salário e a reforma estão estreitamente ligados,bem como os preços, a inflação,etc.As próprias lutas nas empresas podem ter o apoio dos trabalhadores reformados.
Reforçar a CGTP como «Casa Comum»
6.Chegam ecos de que no interior da própria central também existiu o debate e o confronto entre correntes sindicais nos últimos anos ,debate que criou bloqueios, animosidades , com poucos contributos para a solidez e crescimento da Central e para uma efectiva unidade sindical do topo à base.Seria importante nos próximos tempos encontrar formas eficazes de diálogo e solidariedade reforçando a CGTP como «Casa Comum»!
Mais do que um poder ou um contra poder,utilizável sob ponto de vista político, os sindicatos devem ser organizações autónomas, abertas a todos os trabalhadores como organizações de massas que são, para defenderem os direitos e interesses de todos os trabalhadores.Trabalhadores com as suas diferentes convicções políticas,filiados ou não em partidos ou confissões religiosas!
* Dirigente nacional da BASE-FUT