Brandão Guedes*
O padre Abel Varzim foi um dos fundadores da Ação Católica Portuguesa em 1933 e o primeiro Assistente da Liga Operária Católica! Embora formado na Bélgica na Universidade de Lovaina, com ideias próprias sobre a «questão social» bebidas naquele país onde se erguiam sindicatos cristãos de trabalhadores, Varzim teve de aceitar o modelo corporativista português, com sindicatos únicos nacionais controlados perla ditadura.
Numa primeira fase da sua atividade social Varzim colaborou com o regime e aceitou inclusive ser «deputado da nação» com a ideia de que o corporativismo português, sendo antiliberal, e pretensamente inspirado na doutrina social católica, resolveria os problemas dos trabalhadores. Mais tarde viria a desiludir-se com o regime e com a própria Hierarquia Católica sendo atacado, marginalizado e em residência vigiada pelos defensores da ditadura e pelo próprio governo de Salazar!
Num dos seus discursos na Assembleia Nacional, onde apenas tinham assento os deputados do regime de partido único, publicado no jornal regional «O Barcelense», de 16 de março de 1940, sobre o desemprego, Varzim colocava já questões muito incómodas para os «donos disto tudo».
O desemprego não é uma mera questão estatística…é fome!
Dizia ele que o desemprego não era uma questão estatística e que tocava «profundamente o âmago da dignidade humana…» É a fome, o desespero de muitas famílias, a miséria moral e material!
No mesmo discurso ataca o conformismo dos dirigentes políticos relativamente ao desemprego que propalam ideias falsas sobre o mesmo dizendo que é um problema antigo, nomeadamente já existente no império romano! Abel Varzim desmonta estas ideias dizendo que nos romanos havia a escravatura e uma conceção da propriedade como direito absoluto até de pessoas como os devedores que não pagassem as dívidas! Segundo o sacerdote essa não era a filosofia cristã, nem a do regime, sendo necessário cumprir a constituição.
E adiantava que se o corporativismo não tinha resposta para o problema, seria tempo de rever a doutrina e se, mesmo assim, não se resolvia, haveria que encontrar uma solução melhor!
Nessa altura Varzim considerava que a doutrina corporativa portuguesa tinha capacidade para resolver a crise do desemprego e da miséria. Idealista, questionava :então o que faltava, interrogava-se? Compreender melhor a doutrina e regular o individualismo e a ambição dos ricos.
O capital e a propriedade desempenham uma função social
Seguindo a doutrina social católica Abel Varzim explica que a propriedade, o capital e o trabalho desempenham uma função social em regime de cooperação. A propriedade e o capital devem procurar o bem comum e o bem individual de cada pessoa. E afirma: «Se à sua volta houver famílias sem o indispensável, o direito do proprietário e do capitalista cede perante o direito natural do homem à conservação da saúde e da vida. Maior que o direito à propriedade é o direito à vida.»
Fazendo a leitura da doutrina social católica, Abel varzim acrescenta: «O problema do desemprego é um problema de ordem moral que obriga a todos os que possuem riqueza. Por isso eu entendo que o dever de o solucionar pertence fundamentalmente à iniciativa particular…».
Para Abel Varzim e os católicos em geral o Estado só teria de intervir para cooperar com os particulares, para suprir as suas deficiências e para os obrigar a cumprir os deveres quando o não quiserem fazer. Seria mesmo aceitável a proibição por lei de se acumularem empregos. “Onde houver homens válidos sem trabalho e sem vencimentos não pode haver homens com dois ou mais trabalhos e com dois ou mais vencimentos.»
Na mesma intervenção o sacerdote coloca a questão do problema dos salários dos trabalhadores rurais em Portugal. Constata que nessa altura, 1940, os trabalhadores rurais teriam um salário de 3 escudos e cinquenta e pergunta: “Como pode um homem solteiro viver com um salário diário de 3 escudos e cinquenta? E se esse homem for casado, tiver mulher e filhos a sustentar?»
E Varzim volta á Constituição onde se diz que ao Estado compete regular os impostos de harmonia com encargos legítimos da família e promover a adoção de um salário familiar. Reconhece que pouco se fez nesta matéria e se deve cumprir a constituição. Considera que a sua não adoção permitiu clamorosas injustiças.
A questão do salário familiar e o desemprego
No que respeita ainda ao salário familiar, assunto muito debatido nessa altura e defendido pela Liga Operária Católica, Abel Varzim lembra que este salário é uma espécie de «segundo salário» concedido não à pessoa que trabalha na oficina, mas ao que socialmente produz trabalho não menos rendoso, nomeadamente a mulher casada e o que se prepara para a vida. Será conceder a estas pessoas poder de compra que vai dinamizar a economia e resolver em parte o desemprego. Ressalva que não inclui aqui os doentes e velhos porque estes teriam as caixas sindicais de previdência.
Interessante notar que a questão do salário familiar contribuiria para a ideia de se estabelecerem abonos às crianças.
Abel Varzim termina a sua intervenção afirmando que acredita ainda que o corporativismo teria capacidade para resolver o grave problema do desemprego, embora exista muito liberalismo na sociedade.
O fundador da Ação Católica Portuguesa viria mais tarde a abandonar a Assembleia Nacional, continuando o seu trabalho social, nomeadamente com o jornal «O Trabalhador» que também viria a ser encerrado por Salazar.
Dirigente da BASE-FUT, ativista social e estudioso do Movimento Sindical Operário