Joaquim Mesquita*
Humilhados e ofendidos sempre houve, como sempre houve e continua a haver pobres e marginalizados. Há quem diga que a vida não é justa e, sendo verdade, é preciso não esquecer que se a injustiça caracteriza muitas sociedades neste mundo é pelo simples facto de existir gente empenhada em trabalhar nesse sentido.
Por vezes, os pobres decidem fazer-se ouvir. Por vezes, os pobres decidem lutar. Assim aconteceu no passado sábado, 8 de Novembro, e irá acontecer com a Greve Geral de 11 de Dezembro. Então a aristocracia enche-se de espanto, tal como os seus lacaios – uma reacção que não e´ de estranhar dessa elite social acastelada num universo regido por um plano de acção que reserva à maioria que trabalha o acantonamento num
submundo de exploração e miséria. Cumprindo o seu papel e em coerência com o seu compromisso com os “detentores de activos próprios” (uma das designações com que se reconhecem aqueles que em tempos se identificaram como “capitalistas”…), o senhor Primeiro Ministro fez-se ouvir nos órgãos de comunicação social para afirmar que não entende a luta dos trabalhadores, e particularmente a concretização de uma greve geral.
Mas o povo vem, mais uma vez, explicar à elite autista e aos capatazes que aparentam uma sonsa estupidez que o salário não é suficiente para sustentar a família, que os horários desregulados e desumanos são incompatíveis com os valores e princípios do normal e saudável desenvolvimento das pessoas e das famílias, que percebem que nos locais de trabalho os mecanismos de exploração se vão agravando, onde o respeito pela condição humana não existe. O senhor Primeiro Ministro – se quiser – conseguirá perceber tudo isto. Mas não quer. Líder de uma equipa que é nem mais nem menos que uma comissão executiva do patronato (os tais “detentores de activos próprios”) estão certamente empenhados em instalar no nosso país o sistema neoliberal (vulgo “lei da selva”) que garanta lucro e poder a quem servem e, numa vida futura mais ou menos próxima, depois de exercido o seu ministério de guardiões e sacerdotes do sistema e da aristocracia (por estes dias tem-se falado em ser-se capturado…), conquistar a almejada promessa de tomarem posse de uma “terra prometida, onde corre leite e mel”.
Quando valores humanos se confrontam não há lugar para equilibrismos
Nesta luta dos trabalhadores e do povo importa saber a composição dos dois lados da barricada. Quando valores humanos se confrontam não há lugar para equilibrismos. Chamo à colação um velho conhecido, o bom samaritano. Este personagem, individual e colectivamente desprezado e caluniado na sua época, desceu da sua montada para ajudar quem precisava. Em sentido contrário, o sacerdote e o levita passaram ao largo porque entenderam que nada tinham a ver com a situação. Enquanto o primeiro foi portador e manifestou o amor de Deus na terra, ou seja, exerceu na óptica cristã o novo sacerdócio, os segundos recusaram-se a exceder as suas competências de sacerdotes da velha ordem. E voltando aos trabalhadores e ao povo do nosso tempo, que precisam de quem desça da sua montada e os auxilie, não será difícil identificar quem pratica a fraternidade e a solidariedade, mesmo ultrapassando estigmas sociais, e quem entende que não pode exceder as suas competências.
O Natal aproxima-se, e mais uma vez invoco a mensagem dos anjos aos pastores, “glória a Deus e paz na terra”. Temos de ser nós, se formos os tais homens de boa vontade – mulheres e homens – a construir essa sociedade que permita dar glória a Deus, e também construtores de paz, já que o orçamento do Estado para 2026 tem como objecto muito mais a guerra do que a paz. Esperemos que os pobres e marginalizados não tenham razões para, em vez de darem glória a Deus não O amaldiçoem, porque, felizmente, sempre houve e haverá construtores da paz.
*Dirigente sindical e militante da BASE-FUT e da LOC/MTC