A carta dos trabalhadores católicos que Salazar devolveu

com Sem comentários

Brandão Guedes*

A 8 e 9 de março de 1942 reuniu o Conselho Geral da Liga Operária Católica (LOC) para avaliar a situação dos trabalhadores portugueses e tomar o pulso à organização e queixas dos operários católicos.Tempos complicados ,em plena IIª Grande Guerra,a ditadura tinha destruido a estrutura do Movimento Sindical Português e lançado o Corporativismo inspirado no fascismo  italinano, com a bênção geral da hierarquia católica.Mas o sistema corporativo dava os primeiros sinais de fracasso com a crescente miséria de largos setores de trabalhadores.

Nesta reunião o Conselho Geral da LOC incumbiu a Direção de enviar uma carta a Salazar com um duplo encargo;saudar  chefe do governo e exprimir as suas angustias e preocupações,nomeadamente «a defesa dos lares portugueses pelo estabelecimento do salário familiar».

Uma carta inteligente dando uma no «cravo e outra na ferradura» na esperança de conseguir o seu objetivo.Uma homenagem e gratidão por ter feito «ressurgir em Portugal o Corporativismo,que, esperamos ainda,virá a ser um dia verdadeiro Corporativismo».Ou seja ,os trabalhadores católicos apostavam no Corporativismo mas já sentiam os primeiros rombos no sistema concreto que beneficiava o patronato como veremos ainda mais à frente.

Na carta os responsáveis da LOC dizem saber que Salazar «era um grande paladino do salário familiar».Nesse sentido recusavam estar a gastar palavras com argumentos doutrinários sobre o tema, passando à frente e expondo as preocupações da crua realidade.Assim, os membros da Liga Operária Católica referiam que «já não temos possibilidade de cumprir o nosso dever de dar filhos robustos e sãos à Pátria..»E porquê? Porque os salários baixos de quem tem filhos são iguais a quem não tem.E acrescentam os locistas:

«Vossa Excelência prometeu-nos que a Revolução continuaria enquanto faltasse pão num só lar português.Pedimos em nome de tantas famílias sacrificadas em excesso,ordene que a Revolução continue…»

E os diretores da LOC lembram que não pedem nada em especial pois «ao verem com quanto afan se acumulam riquezas à custa do nosso sofrimento e dos sofrimentos da classe agrícola e das classes médias resolvemos abrir-lhe as nossas almas…»

E os militantes da LOC avançam com mais outro argumento de peso de caracter demográfico:« a natalidade baixa assustadoramente» e como vamos pedir aos nossos companheiros para terem filhos « que ficarão sujeitos á tirana dos baixos salários paternos».

Assim sugerem que havendo revisão de salários se tenha em conta os subsídios a quem tem família,estabelecendo o salário familiar.

Passados uns dias a LOC recebe uma carta do secretário de Salazar devolvendo a exposição da LOC e dizendo que tais assuntos são da competência dos sindicatos nacionais.A LOC deveria remeter-se aos fins que estão estabelecidos para a Ação Católica.

Esta reação do ditador à carta da LOC,em que um dos seus signatários era o Padre Abel Varzim, vem aumentar a progressiva desilusão dos trabalhadores católicos com o regime, em particular dos operários que viam o acumular de riquezas sem que o capital ou o Estado, que prometeu uma revolução sem luta de classes, estivessem disponíveis para suportar um salário digno.

*Dirigente da BASE-FUT

Junta-te à BASE-FUT!