Sindicalista escreve carta aos Bispos!

Joaquim Mesquita, operário da multinacional Nestlé, há anos dirigente sindical da CGTP, enviou a seguinte carta aos Bispos Portugueses. Pelas preocupações sociais expressas na missiva merece que seja conhecida com autorização do mesmo:

«Permitam que, como cristão, transmita algumas preocupações, que partilho com companheiros de vida e de trabalho.

Quando jovem, acreditava e mantinha a esperança que o mundo iria evoluir no sentido da humanização, de uma sociedade progressivamente marcada pela solidariedade e fraternidade. O contexto social permitia alimentar essa fé e essa esperança. Os pobres tinham enfim acesso à saúde, ao ensino, à segurança social, ao mesmo tempo que se verificava uma melhoria das suas condições de trabalho e de vida. Ainda adolescente, respirei de alívio ao perceber que não teria de ir para a guerra no “Ultramar”; e que o cidadão comum, afinal, também tinha uma palavra a dizer sobre os destinos do país. O Reino estava a concretizar-se, com o contributo de crentes e não crentes.

Trabalhadores que não têm um salário que lhes permita escapar da pobreza

Hoje, passados cinquenta anos, pai e avô, angustio-me ao ter de concluir que as minhas filhas e os meus netos irão viver pior que os seus pais e avôs. É triste perceber que a extraordinária evolução da ciência e da técnica, que nos assombra, caminhe a par do agravamento das desigualdades sociais e do aprofundamento da injusta repartição da riqueza. É escandaloso que, no nosso país, parte significativa dos trabalhadores a tempo inteiro, cerca de 11% – e suas famílias – não tenha um salário que lhe permita escapar à condição de pobreza e sabendo-se que esse salário é conseguido, quantas vezes, em condições laborais desumanas e degradantes e que resultam não raras vezes em situações de desadaptação social e marginalização, condições que estão a agravar-se. “Felizes os pobres”? Não, por este caminho não teremos legitimidade para proclamar as Bem Aventuranças. É tempo de lembrar a recomendação, no cumprimento do anúncio da Boa Nova, e expressa na doutrina social da Igreja, da opção preferencial pelos pobres, ou pelas periferias, nas palavras do Papa Francisco.

A maior preocupação vai para a Paz

A maior preocupação vai para a Paz. É que andam por aí a chamar “paz” à guerra, e há quem o faça com entusiasmo. Já em tempos do império romano se escrevia que para se ter “paz” era necessário fazer a guerra. Nós, cristãos, o que fazemos, o que dizemos e o que escrevemos? Que posição assumimos sobre a política de economia de guerra? Não são as guerras que fazem as armas, são as armas que fazem as guerras. Nas palavras vivas do Papa Francisco, na guerra perde-se sempre, só ganha quem vende as armas; “Jamais a guerra! Pensem sobretudo nas crianças”. Os nossos filhos não querem ir para a guerra – não os convençamos do contrário, muito menos à custa de água benta. Guerra é guerra, é morte, é sofrimento – é a loucura das loucuras. É a máxima expressão da mentira. Muitas guerras se iniciaram e alimentaram com mentiras. Deixo apenas um apontamento relativo aos cânticos, nas celebrações litúrgicas nas igrejas europeias, sobre as inúmeras crianças belgas a quem os alemães teriam cortado as mãos, durante a Grande Guerra (1914-1918), que serviu de argumento para alguns países entrarem ou permanecerem no conflito. Uma investigação sobre esta suposta atrocidade não conseguiu encontrar um único caso. Importa ter consciência de que “o grande rei não é o que conduz o seu povo na guerra, mas o que afasta a guerra para longe do seu povo…”.

Classificada por alguns de judaico-cristã, na nossa sociedade ganha terreno um novo culto, o do negócio. Tudo é economia. Cada um vale pelos rendimentos que obtém, pelo dinheiro que consegue movimentar, dinheiro que é “a raiz de todos os males”. É a concretização do caminho do individualismo a que em tempos já se chamou “novo espírito da época: conquistar riqueza, esquecendo tudo, excepto o próprio”. Ter direito à habitação, à saúde, ao ensino, à cultura ou à segurança social, depende cada vez mais da capacidade financeira para entrar numa clínica privada, num colégio privado ou investir num bom plano de pensões de reforma, privado claro está, porque é essa a ideologia que vigora, argumentando-se com a liberdade de escolha – que obviamente está reservada a ricos, já que os pobres terão de contentar-se com serviços públicos depauperados e degradados, por opção política e ideológica. Pergunto-me se alguém terá ouvido a recomendação do Papa Francisco: se a Igreja quer ensinar, que ensine os pobres. E na saúde o problema é mais dramático. Ainda nos lembramos que Jesus Cristo curou todos os que o procuraram, ricos ou pobres, mesmo que estrangeiros, “todos, todos”?

O pior que pode acontecer à Igreja é deixar de ser profética…!

Nós, cristãos, não somos do mundo, mas estamos no mundo. É nossa tarefa construir comunidades fraternas que sirvam de referência para a construção de sociedades marcadas com o selo da Justiça. Temos de influenciar partidos políticos, governos, estruturas financeiras, empresas, sindicatos, movimentos e organizações culturais e desportivas para que imprimam o cunho da fraternidade na sua forma de estar e agir na sociedade, pedindo especial responsabilidade àqueles que se apresentam como cristãos ou orientando-se por princípios e valores do cristianismo. O exemplo terá de ser nosso: “Vede como eles se amam”. O pior que poderia acontecer à Igreja seria confirmar as configurações da sociedade, deixar de lado a sua missão profética e esquecer-se ela própria de ser sacramento do Reino, a razão da nossa esperança. Seria sal que não salga, luz que não ilumina.

Se nos questionarem sobre a razão da nossa esperança, e porque temos fé, teremos de dar a mesma resposta de Cristo, quando os discípulos de João Baptista lhe perguntaram se era ele o Messias, ou se teriam de esperar por outro: “Ide dizer a João o que viste e ouvistes: Os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos ficam limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, a Boa-Nova é anunciada aos pobres”.

 

Os meus respeitosos cumprimentos

Joaquim Mesquita

Pardilhó, 12 de Maio de 2025

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