Ulisses Garrido*
O sindicalismo tem uma história longa e relevante. Desde a Revolução Industrial, os sindicatos desempenharam um papel crucial na conquista de direitos laborais, salários mais justos, horários de trabalho regulados e condições de trabalho dignas.
Mas o mundo mudou e o sindicalismo também.
A globalização, a revolução científica e técnica e as novas formas de trabalho, as mudanças climáticas, colocam desafios inéditos aos sindicatos ainda sem respostas eficientes, especialmente na Europa. Aqui, a diversidade de modelos e práticas e realidades distintas dificultam a unidade e reganhar o poder perdido.
A evolução da força sindical
Atualmente, o sindicalismo enfrenta uma crise de representatividade. Em geral, a taxa de sindicalização tem vindo a cair há décadas. Na Europa, os números variam muito: Suécia e Dinamarca mantêm taxas superiores a 60%, outros, como a França ou a Espanha, têm valores à volta de 10% a 20%. Em Portugal, situa-se em cerca de 15%, segundo a OCDE. Este valor coloca o país abaixo da média europeia, refletindo um persistente ataque ideológico antissindical e desafios como a fragmentação do mercado de trabalho, o aumento do trabalho precário e a dificuldade em atrair jovens e trabalhadores de setores emergentes.
Taxas de Sindicalização em Países Selecionados (2000-2020)
País | 2000 | 2010 | 2020 | Tendência |
Suécia | 81% | 68% | 65% | Queda moderada |
Dinamarca | 74% | 67% | 66% | Estabilidade relativa |
Finlândia | 76% | 70% | 60% | Queda acentuada |
Alemanha | 25% | 19% | 16% | Queda constante |
Áustria | 41% | 28% | 26% | Queda significativa |
Bélgica | 56% | 52% | 50% | Queda ligeira |
Portugal | 25% | 20% | 15% | Queda acentuada |
Espanha | 16% | 15% | 13% | Estabilidade relativa |
Itália | 35% | 30% | 25% | Queda moderada |
França | 10% | 8% | 9% | Estabilidade em níveis baixos |
Reino Unido | 30% | 26% | 23% | Queda constante |
EUA | 13% | 11% | 10% | Queda lenta |
Canadá | 28% | 27% | 26% | Estabilidade relativa |
Polónia | 20% | 15% | 12% | Queda acentuada |
Hungria | 18% | 10% | 8% | Queda significativa |
República Checa | 25% | 17% | 12% | Queda constante |
E em Portugal?
Nº. de trabalhadores sindicalizados (000) em Portugal | |||||
1996 | 2005 | 2015 | 2025 | 2025 / 1996 | |
Total | 970 | 720 | 610 | 670 | 69% |
CGTP | 570 | 430 | 400 | 440 | 77% |
UGT | 200 | 160 | 160 | 170 | 85% |
Não filiados | 100 | 50 | 50 | 60 | 60% |
Taxa de sindicalização | 24 | 21 | |||
Não filiados | 100 | 80 | 50 | 30 | 30% |
Fontes: Relatório Único (RU) e Balanços Sociais de entidades da AP, Quadros de Pessoal (QP) e DGAEP (DIOEP)
Certo é que os sindicatos têm vindo a perder poder. Que é preciso reganhar.
A Diversidade de Modelos na Europa
Na Europa há uma diversidade de modelos sindicais e dos seus resultados. Cada país tem a sua própria tradição e abordagem, refletindo as suas particularidades históricas, culturais e políticas.
Consideram-se geralmente estes modelos:
MODELO | NÓRDICO | CONTINENTAL | MEDITERRÂNICO | ANGLO-SAXÓNICO |
principais países | Suécia, Dinamarca, Finlândia | Alemanha, Áustria | França, Espanha, Itália, Portugal | Reino Unido |
características | Alta sindicalização, forte diálogo social e parceria entre sindicatos, empregadores e governo | Sindicatos fortes, abordagem mais pragmática e menos confrontacional | Sindicatos mais fragmentados e politizados, tradição de protestos e greves | Sindicatos historicamente fortes, mas enfraquecidos nas últimas décadas devido a políticas neoliberais |
resultados | altos níveis de proteção social, salários elevados e baixa desigualdade | Estabilidade laboral e salarial, mas com desafios recentes devido à flexibilização do mercado de trabalho | Conquistas importantes em termos de direitos laborais, mas com dificuldades em adaptar-se às novas realidades do trabalho | Desigualdade crescente e precariedade laboral |
Olhando as características, cada um tem as vantagens e inconvenientes; nenhum pode dizer-se infinita e permanentemente superior aos outros. Em todos os casos se anda à procura de soluções, dos melhores caminhos.
Os Desafios do Sindicalismo no Século XXI
Vivamos em sociedades complexas. Logo, os sindicatos enfrentam desafios complexos, a exigir respostas inovadoras e adaptadas às novas realidades. É preciso conhecimento, preparação, competências, formação dos representantes. Sistematizando alguns desafios:
- Digitalização e Automação: estão a transformar o mercado de trabalho, eliminando alguns empregos e criando outros. Em Portugal, a indústria e os serviços são afetados.
- Trabalho em Plataformas Digitais: a gig economy (economia de biscates) e o trabalho em plataformas digitais (Uber, Glovo…) são um desafio enorme para os sindicatos.
- Teletrabalho: a pandemia acelerou a adoção do teletrabalho, criando novos desafios.
- Comunicação e Formação de dirigentes e representantes: muitos sindicatos enfrentam dificuldades em comunicar eficazmente e há dirigentes que não estão suficientemente preparados para lidar com a digitalização e a globalização, ou com os novos trabalhadores.
- Democracia, interna e no trabalho: por rotina e falta de renovação e/ou rejuvenescimento a democracia sindical (organizacional e de funcionamento) precisa de ser promovida; e a democracia económica, no local de trabalho desafia crescentemente os sindicatos.
Os 3 primeiros respeitam ao trabalho atual e ao futuro do trabalho, à inteligência artificial e suas potencialidade e consequências. Não dependem (mas podem ser influenciados pela) da iniciativa sindical. Os últimos são mais responsabilidade dos sindicatos e configuram a necessidade duma renovação e rejuvenescimento em larga escala. Mas sempre assumindo-se como um fator construtivo de ordem social e solidariedade. Até porque como disse o Papa Francisco “não há boa sociedade sem bom sindicato”!
Formas de Luta: da repetição à eficácia
As formas de luta tradicionais, como greves e manifestações, continuam a ser importantes, mas só por si, não suficientes.
Em Portugal, os sindicatos têm tido algum sucesso em mobilizar os trabalhadores para protestos contra políticas de austeridade e cortes nos direitos laborais. No entanto, a eficácia destas ações tem sido limitada pela difícil mobilização, pela fragmentação sindical e do mercado de trabalho e pela dificuldade em atrair jovens, precários e profissionais emergentes. Por outro lado, os sindicatos têm tido menos sucesso em adaptar-se às novas realidades. A falta de inovação nas formas de luta e a dificuldade em comunicar com eficácia são obstáculos significativos.
Conclusão
O sindicalismo está numa encruzilhada. A capacidade de se reinventar e adaptar às novas realidades determinará o seu futuro. Não há uma solução única, mas sim a necessidade de arriscar, experimentar, avaliar e de diálogo, inovação e solidariedade.
Em Portugal, os sindicatos enfrentam desafios específicos, como a baixa taxa de sindicalização, a incomunicabilidade entre (algumas) organizações sindicais raramente unidas por objetivos, a fragmentação do mercado de trabalho e a dificuldade em atrair jovens e trabalhadores precários, de formar e renovar dirigentes.
Para serem “um fator construtivo de ordem social e de solidariedade” e ao serviço do bem comum, os sindicatos precisam de investir em novas formas de comunicação, na formação das representantes e na adaptação às mudanças tecnológicas. Só assim poderão reganhar poder ser voz de quem não tem voz, continuar a desempenhar um papel crucial na defesa dos direitos dos trabalhadores e na construção de um mundo do trabalho mais justo e equitativo.
- Sociólogo, sindicalista e Consultor de formação
Fontes
- OECD Trade Union Density (https://stats.oecd.org/ )
- Eurostat Labour Market Statistics (https://ec.europa.eu/eurostat )
- OIT-ILO Labour Statistics](https://www.ilo.org/global/statistics-and-databases/lang–en/index.htm )
- A Transformação digital – Transformação Digital nas Instituições.pdf
- IA-INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL, SINDICALISMO, EDUCAÇÃO/FORMAÇÃO , estudo de Jorge Gaspar para a UGT P (https://www.ugt.pt/publicfiles/efce751efdace09fd3c514b733d696f8e0582396.pdf )
- Institutos Nacionais de Estatística: INE (Portugal), ONS (Reino Unido), BLS (EUA).
- Sindicatos: o equilíbrio em tempos de mudança – ACTRAV / OIT https://www.ilo.org/sites/default/files/wcmsp5/groups/public/@europe/@ro-geneva/@ilo-lisbon/documents/publication/wcms_778543.pdf
- Proteção de dados dos trabalhadores na negociação coletiva – https://www.ugt.es/sites/default/files/guia-proteccion_de_datos_0.pdf
- Confederação Europeia de Sindicatos (CES – https://etuc.org/ ) + ETUI ( https://www.etui.org/ )
- CGTP https://cgtp.pt/ e UGT https://www.ugt.pt/
- O ALERTA NECESSÁRIO ( CGTP O ALERTA NECESSÁRIO dif.pdf )
- Papa Francisco em Encontro com sindicalistas, Junho 2017, Vaticano
- Relatórios Académicos e Artigos Científicos.
NOTA: Este artigo foi publicado inicialmente pelo Voz do Trabalho, jornal da LOC/MTC