António Brandão Guedes*
Naquele Verão de 1975 e após conversa com o José Eduardo ,com quem eu mantinha contactos nos tempos negros da ditadura,fui à sede da BASE-FUT, em Lisboa, para me comprometer de forma mais empenhada com esta Organização.Até ali a maioria das minhas ligações eram de pessoas como o Frei Bento Domingues e Luis França (Dominicanos) Conceição Moita e Teutónio Pereira ligadas aos Cristãos pelo Socialismo e ao MES que também se estava a organizar.
Era um fim de tarde quente ,Lisboa cheirava a pólvora!Na sede encontrei o Zé Dias, Permanente (funcionário /Animador) naquela altura.Impressionou-ne a sua desenvoltura e entusiasmo meio anarca e o traquejo que demonstrava nas questões políticas.Reparei que lhe faltava um dos dedos da mão,devido a um acidente de trabalho, soube mais tarde,assim como soube que estudou na Bélgica sociologia e já tinha muitas ligações aos Movimentos de Trabalhadores Cristãos.
Olhou para mim depois de lhe dar alguns dos meus elementos curriculares (não todos) e disse-me,despachando-me, que seria bom eu cuidar da Biblioteca /Centro de Documentação da BASE-FUT.Sorri para ele também dando-lhe a entender que embora fosse o que ele considerava um intelectual ,já na altura trabalhava na Junta Central das Casas do Povo,na dinamização cultural das mesmas e estava ligado ao sindicato da Função Pública.
Senti que o Zé estava preocupado com outros assuntos,as organizações políticas e sindicais ocupavam a rua, a mobilização era constante naquele Verão,a Revolução parecia a muitos um caminho irreversível…..
Até criei um departamento de assuntos rurais na BASE
O novembro e o golpe chegaram e, por essa altura,antes ou depois,já não me lembro, o segundo Plenário da BASE-FUT na Foz do Arelho.Agradou-me a linguagem terra a terra daqueles militantes, a liberdade de falar sem dogmatismos,a esperança em todas as bocas e olhares!Fui o único a dizer que também existiam portugueses agricultores e que os camponeses pobres também tinham problemas!Os grandes tinham outro tipo de problemas porque a Reforma Agrária era uma realidade em marcha!Chamei a atenção para os problemas, não apenas dos trabalhadores agrícolas assalariados, mas também para a necessidade de captar os pequenos e médios agricultores para o processo de transformação social que atravessava o País!A palavra «Reforma Agrária» tinha ecos diferentes a Norte e a Sul.Pelas minhas viagens a Norte em trabalho nas Casas do Povo, para a revista «POVO RURAL» e apoio a associações agrícolas, a Norte de Lisboa, dava conta dos medos e interrogações das gentes pobres e remediadas do Centro e Norte!Dizia aos meus amigos que tinham ocupado a «Renascença» que tivessem cuidado com a linguagem incendiária que usavam!O País que eles tinham na cabeça não era o País real!
Os companheiros da BASE-FUT tomaram nota e mais tarde até tivemos um grupo de trabalho Rural na nossa organização.E depois ,como acontece quase sempre na BASE-FUT,entrei rápido para a Comissão Executiva e ali ,ao longo de vários anos,conheci e trabalhei com companheiros inolvidáveis como o Fernando Abreu, Vitória Pinheiro Rafael Galego, Palmira,Tavares,Idalete,Lourenço,Teresa Saraiva,Trindade Candelária, Cesário Borga,José Eduardo, Jorge Santos, José Vieira, Branquinho, a São, a Olívia e muitos outros que passaram pela Direção e pelo pelo setor Sindical.O caminho que andámos para aqui chegar…
Aprendi muito com os companheiros da BASE-FUT
Apesar dos meus estudos devo confessar que aprendi tanto ou mais com todos os companheiros da BASE-FUT.Como trabalhador da Função Pública, não era apenas um trabalhador,um técnico como muitos outros colegas de trabalho!Tinha uma outra dimensão da vida ,a minha reflexão era amadurecida com a reflexão dos companheiros que trabalhavam no ensino,numa câmara municipal,numa fábrica,num sindicato.A Base foi, e ainda é, de facto, um espaço de liberdade, de cultura política e social!Não me deu um cargo político ou um tacho, nem dinheiro! Deu-me e continua a dar-me uma forma de ver o mundo, um espaço único de participação e crescimento!A sua inspiração inicial, «Só os trabalhadores libertarão os trabalhadores»,continua válida!Estamos talhados para sermos livres e não dominados uns pelos outros.A luta contra as dominações e a exploração de uns pelos outros continua e atravessa as gerações!A BASE-FUT é apenas uma pequena estrelinha de 50 anos no infinito desta luta….
- Dirigente da BASE-FUT,cooperativista e ex-sindicalista