Rosa Torrinha*
Vivo em Joane, terra de gente laboriosa, onde os seus habitantes, na sua maioria, trabalham na industria têxtil. Pertenço ao grupo da LOC/MTC, daquela vila do concelho de Vila Nova de Famalicão.
Faço parte da Equipa Diocesana, onde integro a representação, como vice-coordenadora, do Movimento do Arciprestado de Famalicão. Quando o atual Arcebispo, D. José Cordeiro, chegou a Braga, a equipa diocesana pediu-lhe para reunir com ele, pedido que foi aceite de imediato.
40 anos, de salário mínimo – uma vida!
Na reunião, pediu para cada um/a de nós falar um pouco da sua vida de trabalhadores ou de reformados. Uma nossa colega, que trabalhou mais de 40 anos na indústria têxtil, reformada recentemente, disse: “sabe senhor bispo, toda a minha vida, trabalhei na mesma empresa e ganhei sempre o salário mínimo até me reformar”. O nosso Arcebispo nem queria acreditar que isto era possível e insistiu na pergunta: ganhou sempre o salário mínimo? – é verdade senhor bispo, repetiu a nossa colega. Ele ficou admirado. Mais tarde, na reunião da equipa diocesana, pediram-me para escrever uma página no nosso jornal, Voz do Trabalho, para a rubrica “Vida e Ação Operária”, desafio que aceitei. Mas digo-vos, caros leitores, é a primeira vez que o faço. Então pensei: mas o que é que eu vou escrever? Tenho tanta coisa para dizer, que nem sei por onde começar. Sou operária têxtil e também ganho o salário mínimo, a minha mãe, que faleceu quando eu tinha 12 anos, também era operária têxtil e apenas ganhava o salário mínimo, o meu pai era ferreiro e trabalhava por conta própria. O meu filho, que apesar de estar formado em tecnologias, trabalha na indústria de carnes e também ganha o salário mínimo. Aqui estão as três gerações do salário mínimo.
Salário mínimo, instrumento de sobrevivência
Os contratos coletivos de trabalho, ao fim do tempo estipulado, perdem a validade, fruto de uma lei do tempo da troika, do então primeiro ministro Passos Coelho, que ainda não foi alterada. Se não fosse a progressão anual do salário mínimo, continuávamos sempre na mesma. Daí a importância da atualização do salário mínimo. Os sindicatos bem tentam negociar, mas as associações patronais arrastam as negociações no tempo, e nós trabalhadoras vamos sofrendo, sem o necessário para pagar a renda ou a prestação da casa que anda nos mesmos valores do salário mínimo. Nos tempos dos nossos pais, com muito sacrifício, procuravam trabalho no campo, no horário depois da fábrica, para ajudar a superar as dificuldades – eramos cinco irmãos – apenas com um salário mínimo que não chegava para pagar a renda ou o crédito e os outros serviços, ficando a faltar para compras alimentares ou farmácia, onde se esgotava o pouco dinheiro do trabalho no campo.
A arte de saber gerir o pouco que temos
Os nossos filhos, estudam, formam-se e vão ganhar o salário mínimo em trabalhos fora da formação que receberam. À sua volta os “lobos” aproveitam-se, fazem-nos sofrer, desgastam-nos, levando-os a cair na “armadilha” da humilhação e dos acidentes de trabalho. Estas situações geram pouca esperança no futuro e na estabilidade familiar. O poder de compra transforma-se em pobreza, as dificuldades aumentam, cada vez se vê mais gente a passar fome devido às rendas altas, superiores ao salário mínimo. Para sobreviver, acabamos por aceitar fazer outros serviços, que muitas vezes nos tiram a dignidade. Mas acreditemos que a Esperança, essa, continua viva!
Militante da LOC/MTC
de Joane – Famalicão
Nota: Este artigo foi inicialmente publicado no mais recente número do « Voz do Trabalho»publicação da Liga Operária Católica/MTC.