José Ricardo*
“E aqueles, que por obras valerosas Se vão da lei da morte libertando…” (Lusíadas, Canto I)
Caros companheiros, camaradas e amigos,
O 25 de abril é o marco de uma nova era em Portugal e o nome de Otelo ficará na história como o seu líder. A ditadura Salazarista foi tão prolongada que somos levados a fazer referência dos acontecimentos passados, a “antes” e “depois” do 25 de Abril.
Otelo poderia ter sido apenas um militar golpista, que pretendia terminar com a guerra colonial, mantendo o capitalismo monopolista, a miséria e a pobreza, mas foi participante ativo no processo popular e revolucionário que se seguiu, o que mudou a sua perspetiva pessoal.
Foi gratificante ler testemunhos de várias pessoas que assumiram, sem medo, a sua gratidão para com Otelo e o seu papel ativo na revolução. Mas as posições públicas dos partidos foram uma miséria, na generalidade. Apenas a BASE-FUT emitiu um comunicado decente e que muito nos honra.
Foi deprimente ouvir tanto disparate naqueles dias de luto pelos recém democratas, saudosistas do salazarismo, que não perdoam como “um dos seus” se deixou seduzir pelas ideias revolucionárias, apoiando os pobres a ocupar casas devolutas e terras abandonadas. Ao atacar Otelo procuram denegrir a necessidade desta rotura que, no seu entender, só nos trouxe problemas sociais e económicos. São acusadores que falam do Campo Pequeno e dos mandatos em branco do COPCON, mas omitem as tentativas de golpes fascistas e as mortes que perpetraram.
Projecto Global e o perigo do fascismo
Também os esquerdistas arrependidos, receosos que alguém se recorde que também viveram o PREC e defenderam a ditadura do proletariado, fizeram como Pedro e negaram que também o seguiram. Sobretudo aquelas e aqueles que sabem que o Projeto Global foi baseado em estruturas já existentes, apenas com uma estratégia que defendia a autonomia das várias componentes, sem a direção e comando de um partido político, o que eles denominam de um processo burocrático.
E sobre a posição do Partido Socialista? Lembramos que “quem governa faz tábua rasa, mas lamenta com fastio a crise da habitação”, como diz o Fausto. É a hipocrisia do equilíbrio e da sensatez pragmática. Acreditamos que muitos deles gostariam de enaltecer o 25 de Abril, a começar pelo primeiro ministro, mas estão rodeados por muitos, em postos de liderança, que de socialistas apenas têm o cognome.
Mesmo alguns jornalistas que nos habituaram a comentar situações e problemas com alguma clarividência, ficaram atordoados e juram que em 1980 não havia o perigo do fascismo. Para eles, o Projeto Global, escrito pela minha mão e desenvolvido com a participação do Otelo, como organização que integrava quatro componentes, duas legais e duas clandestinas e que tinha como objetivo responder organizadamente a um golpe fascista, não tinha razão de existir. Esquecem os avisos públicos de Mário Soares, à época, bem como o atentado que vitimou o primeiro ministro Sá Carneiro e o vice-primeiro ministro Amaro da Costa que aconteceu em Portugal em dezembro de 1980, perpetrado pela extrema direita. Em lugar de refutarem a história e negarem o perigo do regresso ao fascismo deveriam interrogar-se porque razão nunca se tornou público quem dirigiu o atentado de Camarate. Haverão muitos governantes antigos e atuais que saberão o que se passou. Poderemos acusá-los de cumplicidade?
É evidente que a tensão vivida após o 25 de novembro de 75, ao nível das empresas, provocada pela pressão do FMI, com a reorganização e acumulação capitalista acelerada, não é reconhecida pelos jornalistas mais novos ou aqueles que, encerrada a revolução, deixaram as lutas e regressaram às universidades para acabar as suas licenciaturas e doutoramentos.
Otelo nunca foi das FP25
A verdade é que o Otelo nunca foi das FP25. Aqueles que utilizam a sentença condenatória de Monsanto, para o denegrir, nunca recordam que um dos juízes, do coletivo de 3, votou contra a condenação. Se os nossos jornalistas fossem gente séria, não deixariam de referir que, afinal, a condenação não foi assim tão categórica e transparente. Também não deixariam de referir que Otelo foi absolvido pelo Tribunal da Boa Hora de todos os crimes imputados às FP 25. Porventura deveriam investigar a diferença entre a carreira normal do juiz Ricardo, que votou contra a condenação de Otelo, e as benesses oferecidas aos juízes Adelino Salvado e Martinho da Cruz, como pagamento pelo seu desempenho.
A participação das FP25 na greve geral de Maio de 1982, contribuindo para o enfraquecimento dos fura-greves, apelidada de insurreição pelo ministro Ângelo Correia e que ficou conhecida como a “insurreição dos pregos”, teve a minha participação e apoio. Mas nada tem a ver com o atentado ao administrador da Fábrica de Louças de Sacavém, em 1984, condenado por Otelo. E como ficou registado no Tribunal de Monsanto, como sou cristão e contra a pena de morte, condeno também esse homicídio.
É por demais evidente que todo este processo, contra a FUP e Otelo, teve a ver com a preparação da entrada de Portugal na C.E.E. Como também é evidente que a progressiva normalização do regime democrático afastou o perigo do regresso ao fascismo e a necessidade do Projeto Global, alterando as prioridades na sua dupla estratégia: antifascista e anticapitalista.
Fica por explicar como é que o enfraquecimento da necessidade da luta antifascista e a agudização da luta anticapitalista nas empresas provocou alterações na estratégia da esquerda revolucionária e produziu alterações na organização e na sua ação. O silêncio não pode ser entendido como co-autoria e cumplicidade.
Enquanto ex preso político do Processo FUP/FP 25 desejo afirmar que, enquanto viver, o Otelo ficará na nossa memória e no nosso coração.
6/8/2021
*Mestre em Ciências da Educação,Animador Social e dirigente da BASE-FUT