José Ricardo*
Pela informação que se apresenta no espaço público, sobre as inúmeras situações de oportunismo na tomada da vacina, somos induzidos a classificar os comportamentos entre o bem e o mal. E a forma de impedir uma sã reflexão sobre estes abusos é metê-los todos no mesmo saco.
Não condeno o governo ou a comissão, que elaborou os critérios de prioridade e os procedimentos de seleção, ao colocar nos responsáveis das instituições a responsabilidade de fazerem as listas de vacinação, aplicando estes critérios. Numa sociedade democrática e decente seria assim que as coisas deveriam funcionar.
Mas, enfrentando a realidade da educação popular no presente, temos que considerar que o covid apenas veio despoletar e tornar mais visível as fragilidades da cultura ética das pessoas e das organizações. Mesmo nas instituições de solidariedade social.
Em muitas organizações da economia social, o propósito de voluntariado público é autocompensado em privado com benesses ou com o oportunismo de ganhos políticos de prestígio, como rampa de lançamento para cargos públicos. Não é por acaso que se passa de presidente de uma entidade para presidente da autarquia ou vice-versa ou até cumulativamente, como se viu.
A falta de escrutínio e de massa crítica nas organizações, a inexistência de democracia participativa, as normas legais que ainda persistem e que dão cobertura à perpetuação de autocratas nas instituições, são a causa profunda desta situação.
A educação pública meritocrática, formatada para o conhecimento técnico e profissional, muito contribui para a lentidão do progresso de uma cultura ética, mais comunitária e solidária. Só uma educação cultural poderá desenvolver uma consciência coletiva que nos afasta do primata que vive dentro de cada um e cada uma e que em momentos de crise só pensa na sua sobrevivência, abalroando as normas de convivência coletiva.
A crise económica e política que esta pandemia está a gerar pode ser resolvida com mais ou menos sofrimento de uns e outros, com mais ou menos solidariedade e medidas de apoio à recuperação, mas a crise social e moral não se resolve da mesma forma, ficando marcas profundas na memória identitária. Por isso mesmo devemos manifestar todos e todas a nossa repulsa e condenação pela atitude de algumas figuras e ter memória para o futuro.
3/2/2021
*Mestre em Ciências da Educação,Animador Social e Dirigente da BASE-FUT