Américo Monteiro*
Uma análise à Encíclica Todos Irmãos, do Papa Francisco, publicada a 3 de outubro de 2020, na perspectiva de atenção ao meio laboral, poderia começar assim:
“Um Jovem Trabalhador Vale Mais Que Todo o Ouro do Mundo”
Josep Cardijn, fundador da JOC em 1925, na Bélgica e que em Portugal surge em 1935, não perguntava o valor, mas atribuía um valor, em especial a cada jovem trabalhador. A sua alma, o espirito de cada um vale mais que todo o ouro do mundo e como uma coisa não é separável da outra, os jovens, através do seu movimento de Jovens Trabalhadores, a Juventude Operária Católica-JOC afirmam: “A VIDA DE UM JOVEM TRABALHADOR VALE MAIS QUE TODO O OURO DO MUNDO”
A Encíclica Fratelli Tutti, vem recolocar o assunto, vejamos no Nº 106 “Para se caminhar rumo à amizade social e à fraternidade universal, há que fazer um reconhecimento basilar e essencial: dar-se conta de quanto vale um ser humano, de quanto vale uma pessoa, sempre e em qualquer circunstância…”
Esta Encíclica não é sobre o trabalho.
É uma encíclica sobre a fraternidade e a amizade social, como diz no início, para lembrar que Deus “Criou todos os seres humanos iguais em direitos, nos deveres e na dignidade, e os chamou a conviver entre si como irmãos” (nº5), que reporta ao documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum de 4/2/2019.
Toda ela é um alerta para todos, trabalhadores ou não, quando nos apresenta uma reflexão muito clara sobre a sociedade em que hoje vivemos.
Bastava sublinhar alguns títulos ou subtítulos dos 8 capítulos que a compõem, para constatarmos da importância da sua leitura atenta e do discernimento a que somos desafiados perante a realidade política, económica e social no âmbito local e universal.
Perante o fim da consciência histórica, os sonhos desfeitos e os sinais de regressão, diz-nos que isso lembra-nos que “cada geração deve fazer suas as lutas e as conquistas das gerações anteriores e levá-las a metas ainda mais altas. É o caminho. O bem, como aliás o amor, a justiça e a solidariedade não se alcançam de uma vez para sempre: hão de ser conquistados cada dia. (nº11)
Que significado têm hoje palavras como democracia, liberdade, justiça, unidade? “grandes” palavras que hoje são esvaziadas de sentido ou manipuladas, desfiguradas para uso como instrumento de domínio para justificar qualquer ação. (nº14)
Lembra-nos também os Direitos Humanos, que não são iguais para todos, o conflito e medo, o descarte mundial de parte da Humanidade, sublinhando que “de modo análogo, a organização da sociedade em todo o mundo ainda está longe de refletir com clareza que as mulheres têm exatamente a mesma dignidade e direitos que os homens”. (nº23)
«Não há pobreza pior do que aquela que priva do trabalho e da dignidade do trabalho»
Sabemos que este Papa dá grande atenção às questões laborais. No 5º capítulo, onde aborda as questões muito atuais dos populismos e liberalismos e sobre a necessidade de uma política melhor, faz uma analise muito interpelativa sobre estes assuntos e deixa-nos o essencial do que aborda sobre o trabalho.
Vejamos o (Nº 162) A grande questão é o trabalho. Ser verdadeiramente popular – porque promove o bem do povo – é garantir a todos a possibilidade de fazer germinar as sementes que Deus colocou em cada um, as suas capacidades, a sua iniciativa, as suas forças. Esta é a melhor ajuda para um pobre, o melhor caminho para uma existência digna. Por isso, insisto que «ajudar os pobres com o dinheiro deve sempre ser um remédio provisório para enfrentar emergências. O verdadeiro objetivo deveria ser sempre consentir-lhes uma vida digna através do trabalho». Por mais que mudem os sistemas de produção, a política não pode renunciar ao objetivo de conseguir que a organização duma sociedade assegure a cada pessoa uma maneira de contribuir com as suas capacidades e o seu esforço. Com efeito, «não há pobreza pior do que aquela que priva do trabalho e da dignidade do trabalho». Numa sociedade realmente desenvolvida, o trabalho é uma dimensão essencial da vida social, porque não é só um modo de ganhar o pão, mas também um meio para o crescimento pessoal, para estabelecer relações sadias, expressar-se a si próprio, partilhar dons, sentir-se corresponsável no desenvolvimento do mundo e, finalmente, viver como povo.
Podemos resumir que nos nº 114 e 116, aborda a questão do valor da solidariedade, palavra que nem sempre agrada, mas que é pensar e agir em termos de comunidade e de prioridade de vida de todos sobre a apropriação de bens por alguns e é também lutar contra as causas estruturais da pobreza, a desigualdade, a falta de trabalho, a terra e a casa, a negação dos direitos sociais e laborais.
O nº 123, que no contexto do direito à propriedade privada e a atividade empresarial, sempre existe o princípio mais importante e antecedente da subordinação de toda a propriedade privada ao destino universal dos bens da Terra e, consequentemente, o direito de todos ao uso.
Devemos voltar a pôr a dignidade humana no centro
É possível desejar um Planeta que garanta terra, teto e trabalho para todos. Este é o verdadeiro caminho da paz… (nº127) e «devemos voltar a pôr a dignidade humana no centro e sobre este pilar devem ser construídas as estruturas sociais alternativas que precisamos» (nº168), isto depois de nos alertar para a verdadeira caridade que é capaz de incluir e se deve expressar no encontro de pessoa a pessoa e a dignidade inalienável de todo o ser humano.
O diálogo aparece de uma forma persistente e aprofundada, nº198 e seguintes, o perdão (setenta vezes sete – Mt. 18,22) que não implica esquecimento, a memória, não permitir que a atual e as novas gerações percam a memória do que aconteceu, aquela memória que é garantia e estímulo para construir um futuro mais justo e fraterno (nº248). Não devemos esquecer as perseguições, o comércio de escravos, e os massacres étnicos que se verificaram e verificam em vários países. Hiroxima e Nagasáqui. Sem memória nunca se avança.
De uma forma muito característica aborda a questão da precariedade e do desemprego, apelando à atenção a outras visões e aqui valoriza os movimentos populares que reúnem desempregados, trabalhadores precários e informais e que criam variadas formas de economia popular e de produção comunitária, que são poetas sociais, semeadores de mudanças e que as coisas só funcionam se for feitas com os pobres e não para os pobres. (nº 169)
Termino assim esta breve análise sobre a Encíclica Irmãos Todos, muito ainda haveria a mencionar, as migrações e os direitos sem fronteiras, liberdade Igualdade e Fraternidade, o consenso, a cultura, a amabilidade que há que recuperara. O melhor é ler de fio a pavio e contribuir para este sonho de fraternidade e amizade social e não ficarmos limitados a palavras.
- Coordenador Nacional da LOC/MTC. Dirigente Sindical na Comissão Executiva da CGTP-IN
e na Direção do CESMINHO
7 de dezembro de 2020