Pedro Estêvão*
O trabalho ocupa um lugar central na vida social. Por um lado, é um meio fundamental de ação sobre o mundo, de criação de valor e de realização individual e coletiva do ser humano. Mas é também um elemento crucial na produção das grandes assimetrias de poder que atravessam as sociedades modernas. As vivências do trabalho e a distribuição da riqueza por ele gerada desempenham um papel decisivo na produção e reprodução das estruturas de classes sociais, dos papéis e desigualdades de género ou dos processos de racialização. Por tudo isto, a organização e os produtos do trabalho constituem objetos de conflito por excelência.
Perante este conflito, as sociedades modernas encontraram duas grandes respostas políticas: o autoritarismo; e a democracia. O autoritarismo opera pela supressão do conflito, usando uma combinação de ideologia e violência. Esta supressão nunca faz desaparecer o conflito intrínseco ao trabalho. Apenas o decide a favor do mais forte – normalmente um patrão, um homem e/ou um branco – à custa do mais fraco – normalmente um trabalhador, uma mulher e/ou um negro.
A democracia, pelo contrário, assenta no reconhecimento do conflito, da legitimidade dos interesses de diferentes grupos na sua resolução e na necessidade de corrigir as desigualdades de poder entre esses grupos para que se produzam soluções equilibradas. Um exemplo é o direito do trabalho, que tem na sua base o reconhecimento da desigualdade de poder entre empregador e trabalhador e que a parte mais fraca merece maior proteção pela lei. Outro é a contratação coletiva, que reconhece a ação coletiva permite a obtenção de condições mais favoráveis para o trabalhador do que a negociação individual.
Em Portugal, o direito do trabalho e a contratação coletiva tem conhecido avanços e recuos. Mas se há espaço onde autoritarismo continua a ser esmagador é no interior dos locais de trabalho. Na vasta maioria das instituições – empresas, serviços públicos e terceiro setor – continua a vigorar um princípio unitarista de gestão. As administrações surgem com os únicos intérpretes dos interesses da organização. Já a participação dos trabalhadores é desvalorizada e até hostilizada, sendo os seus interesses e a sua visão sobre os interesses da organização ignorados ou reprimidos.
O resultado é um caldo fértil para que os conflitos entre chefias e subordinados e entre trabalhadores em geral assumam a forma de bullying, assédio moral e assédio sexual. Sem a participação dos trabalhadores e das suas organizações, os mecanismos de prevenção, denúncia e resolução de situações de abuso e de violência física ou psicológica serão sempre deficientes e incompletos. A democracia económica é assim também uma condição fundamental para a convivência, solidariedade e respeito pelo outro no local de trabalho.
*Coordenador Nacional da BASE – FUT
Assistente de investigação no CoLABOR – Laboratório Colaborativo para o Trabalho, Emprego e Proteção Social.
Nota: este artigo foi inicialmente publicado no «Voz do Trabalho», jornal da LOC/MTC.