A.Brandão Guedes*
Os trabalhadores de callcenters e de outros locais de trabalho semelhantes (serviços partilhados) estão a aumentar, tornando-se actualmente num negócio chorudo para alguns empresários nacionais e internacionais. São pessoas sujeitas a condições de trabalho que alguns investigadores sociais comparam aos operários industriais fordistas.Intensificação do trabalho, controlo rigoroso do mesmo pela supervisão, falta de autonomia mínima para gerir o trabalho, carga mental e física excessivas e, por vezes, trabalho em horas atípicas.Isto sem falar de outros riscos para a saúde como o ruído e os postos de trabalho doentios porque não obedecem ás normas ergonómicas, tendo como consequência diversos problemas lombares e dos membros superiores.
Os relatos de vários trabalhadores, nomeadamente de activistas sindicais, e os inquéritos de vários estudos revelam como consequência em muitos destes trabalhadores o stresse e fadiga, ansiedade e diversas perturbações psicológicas.A falta de humanidade em alguns locais de trabalho demonstra que algumas empresas consideram estes trabalhadores descartáveis, meros recursos para fazer negócios rápidos.
O COVID 19 veio agravar as condições de trabalho
A pandemia Covid19 veio agravar a situação destes trabalhadores dado que em muitos locais de trabalho existiam e existem condições ideais para a propagação do virus e as empresas, que pouco investiam na promoção de condições de trabalho, tiveram que enfrentar as reivindicações dos trabalhadores de melhoria das condições de saúde e de prevenção ou, em alternativa, a de passarem ao teletrabalho.
Tanto sob ponto de vista ético como legal as reivindicações dos trabalhadores são justas e são contempladas em parte pelas medidas, entretanto, estabelecidas para combater a pandemia.Um direito constitucional fundamental é a obrigação de defender a nossa vida e a dos outros.Por outro lado, a legislação laboral obriga o empregador a tomar as medidas necessárias e adequadas para preservar e promover a saúde dos trabalhadores.
Neste sentido as empresas de call centers não deveriam «dormir na forma» em tempo de pandemia .Deveriam estar a melhorar os locais de trabalho, nomeadamente quanto aos postos de trabalho com um distanciamento mínimo de 15m2, ventilação e iluminação adequadas e preparar outras medidas organizativas não apenas para prevenir o Covid mas para promover a saúde dos trabalhadores.
Medidas de organização do trabalho para promover a saúde dos trabalhadores
Claro que as medidas de organização do trabalho são as mais difíceis de aceitar pelas empresas.Gestores e chefias não gostam que os sindicalistas entrem neste campo que consideram exclusivamente deles.Mas não é!É aqui que se faz em particular a intensificação e sobreexploração do trabalho.É aqui que os sindicatos mais terão que centrar as suas reivindicações.Mas as empresas podem também beneficiar com medidas adequadas de promoção da saúde dos trabalhadores, nomeadamente diminuição do absentismo e aumento da satisfação no trabalho.Vejamos algumas ao nível da organização do trabalho:
1.Definir objectivos realistas adequando a capacidade de trabalho á capacidade de resposta.O excesso de solicitações sem os meios para lhe responder é uma das principais fontes de stresse.
2.Prever pausas no trabalho e locais para essas pausas.Não basta parar, é importante ter uma pausa que permita algum corte com o trabalho e descanso mental.
3.Permitir autonomia ao operador dando-lhe a possibilidade de participar na organização do seu trabalho, nomeadamente adaptando as eventuais respostas a dar aos clientes.
4.Evitar a monotonia alternando tarefas menos exigentes com a actividade de atendimento.
5.Permitir a entreajuda e cooperação entre os companheiros de trabalho, nomeadamente nas chamadas mais complexas.Trabalho em equipa e debate sobre práticas profissionais ou sobre o próprio trabalho.
6.Informar os trabalhadores e seus representantes sobre as mudanças organizacionais a realizar nos postos e ambiente de trabalho, bem como sobre os sintomas de stresse e exaustão.
7.Formar os trabalhadores sobre uma boa gestão das chamadas e sobre a utilização do equipamento de trabalho.
8.Efectuar periodicamente uma avaliação de riscos com a participação dos trabalhadores e seus representantes.
9.Elaborar plano de promoção da segurança e saúde da empresa com a participação dos trabalhadores e seus representantes.
10.Avaliação periódica da concretização do plano e fazer revisões e melhorias.
Há ainda a considerar em termos sindicais que estes trabalhadores deveriam trabalhar entre 25 a 30 horas semanais para diminuir e prevenir o desgaste físico e mental, ter um estatuto profissional próprio elaborado com a participação das organizações dos trabalhadores.O seu reforço sindical é fundamental para que possam ser parte activa na negociação das suas condições de trabalho.
Finalmente os sindicatos europeus deveriam exigir quanto antes a revisão e a melhoria da legislação europeia sobre o trabalho com ecrãs de visualização (1) que se pode aplicar aos trabalhadores de call centers e outros.Essa legislação deveria incluir outras medidas que salvaguardem a segurança e saúde de todos os trabalhadores que trabalham em postos de trabalho semelhantes.Fundamental seria também uma Directiva sobre a prevenção das lesões músculo-esqueléticas no trabalho a que o patronato europeu se tem tenazmente oposto.
(1).Directiva 90/270/CEE sobre prescrições mínimas de segurança e saúde no trabalho respeitantes ao trabalho com equipamentos dotados de visor.Decreto-Lei nº349/93 de 1 de outubro;Portaria nº 989/93 de 6 de outubro;Lei nº 113/99 de 3 de agosto.
*Dirigente da BASE-FUT e Técnico Sup. Aposentado da ACT