Antigamente não havia incêndios florestais?

com Sem comentários

José Duarte*

Ouvimos com frequência: “antigamente não havia incêndios florestais nem se falava de incendiários”.  E, nas redes sociais, lemos com frequência afirmações que não deixam de ter uma motivação séria com os problemas e os dramas dos incêndios . Mas também ouvimos e lemos outro tipo de afirmações que revelam memória curta, falta de conhecimento das verdadeiras causas ou, então, aproveitamento de situações aflitivas e dramáticas para atingir outros objectivos inconfessados…

As pessoas menos jovens destas aldeias e vilas da nossa Beira Interior por certo se lembram do tempo em que raramente havia incêndios e, quando algum fogo começava, não atingiria grandes dimensões e a vizinhança acudia logo. Mas seria só por isso?

As pessoas menos jovens (como é o caso do autor deste texto criado no campo à volta do rebanho de ovelhas e da agricultura) sabem por experiência que, no tal antigamente, os rebanhos não deixavam crescer os matos e que todos os terrenos aráveis eram cultivados…mesmo os terrenos mais pobres quando não davam para cultivar mais nada sempre dariam para semear e colher o centeio ano sim, ano não!

E onde cresciam florestas de pinheiros ou áreas de eucaliptos o que é que acontecia? A necessidade de lenha para o Inverno e, no dia a dia, para a cozinha (o pequeno fogareiro a petróleo não dava para grande coisa) e para cozer o pão no forno, obrigava à procura de lenha onde se encontrasse. Por isso, os pinhais eram limpos e desramados e até as cascas dos eucaliptos eram procuradas para ter lenha em casa… Tantas vezes, quem precisava, pedia por favor ou pagava ao proprietário para colher lenha das matas onde as houvesse.As pessoas menos jovens – e quem estuda a realidade doutros tempos com seriedade – saberá por certo que até aos anos 70 a ocupação dos solos e a pressão da população agrícola nos campos (predominantemente numa agricultura de subsistência) reduzia ao mínimo a matéria orgânica nos matos e nas florestas.

Não vou aqui lembrar o trágico incêndio na Serra de Sintra no final dos anos 60 onde perderam a vida alguns militares…

Na década de 60 e nos primeiros anos da década 70 o que é que acontece? Como se sabe, só para França, emigra um milhão de portugueses e não terá havido família, principalmente destas terras das Beiras, que não visse emigrar  familiares seus! Depois para a Guerra Colonial, quantos jovens saíram, também, destas terras do interior entre 1961 e 1974? É impossível ignorar as consequências que ficaram por todo o país…

Quem não viveu essas realidades e tem o privilégio de ter crescido ou nascido depois do 25 de Abril de 1974, por imperativo de cidadania e de honestidade, sempre tem a possibilidade de se informar e dar-se ao cuidado de saber como era antigamente, no tal antes do 25 de Abril.

*Animador social, ex-sindicalista da construção, militante da BASE-FUT

Nota da redação: este artigo foi também publicado no jornal regional «Correio de Caria».

 

                                           

Junta-te à BASE-FUT!