António B.Moniz*
O teletrabalho, entendido como uma forma de trabalho em que este é realizado em casa, nos escritórios dos clientes, em espaços públicos ou em ambientes de trabalho não tradicionais usando a Internet, computadores ou outras ferramentas baseadas em tecnologias de informação, não constitui ainda o núcleo dos debates recentes entre os parceiros sociais.
Num artigo recente, Manuel Carvalho da Silva afirmou, e com razão, que “está em curso uma discussão sobre o teletrabalho muito suportada por opiniões superficiais, sem reflexão acerca do contexto económico, social e político em que vamos viver, sem suporte em estudo científico e empírico indispensáveis” (JN 30/5/2020, https://www.jn.pt/opiniao/carvalho-da-silva/no-saguao-do-teletrabalho-12257181.html). E refere no final desse artigo que “O perigo de se desvalorizar o teletrabalho é real. E ele não pode tornar-se trampolim de transferência de responsabilidades.”
O Sindicato dos Trabalhadores de Call Center (STCC) convocou uma greve nacional, onde se defendeu que os serviços partilhados que operam em open spaces, transitassem de imediato para teletrabalho. Sobretudo, no que refere aos serviços não essenciais ao público, isso deveria ser feito sem perda de remuneração. De acordo com o o STCC, e segundo o DL 10-A/202, o trabalho realizado em call e contact centers compreende em si todas as possibilidades de transição para o regime de teletrabalho. Por este motivo, essa situação de trabalho nestes centros deveria ter implicado a operacionalizada da passagem a teletrabalho de imediato desde o decretar do estado de emergência.
Neste setor, como em outros, algumas empresas aceitaram essa passagem, embora sem a disponibilização de meios técnicos e materiais. Outras fizeram-no com dispositivos de controlo do desempenho laboral. Finalmente, outras empresas dispensaram alguns dos seus trabalhadores que se encontravam em formação (lay off), ou enviaram cartas de despedimento ou de caducidade dos contratos semanais ou mensais a vários operadores.
Como Isabel Roque menciona “a exploração laboral em contexto neoliberal constitui-se como uma verdadeira pandemia transversal a todos os sectores profissionais, quer através da vulnerabilidade humana, consequente das deficientes condições de higiene e segurança, quer através da vulnerabilidade social, resultante da constante, flexibilidade, instabilidade e individualização laboral”. (Público, 25/5/2020, https://www.publico.pt/2020/05/25/opiniao/opiniao/vulnerabilidade-reivindicacao-laboral-call-centers-portugueses-pandemica-covid19-1917656)
Esta opinião é também partilhada por Marisa Matias, quando referia que “a Covid-19 infectou a globalização que já dava muitos sinais de doença” (https://www.esquerda.net/opiniao/globalizacao-infectada/68093).
Será que estes diversos sinais mostram que esta pandemia está a dar velocidade à transição digital, nomeadamente com o teletrabalho? Ou será que, apesar do confinamento durante cerca de 3 meses, o recurso ao teletrabalho foi feito sem grande regulamentação, cuidado ou negociação? Assim, é uma forma de trabalho que vai voltar a ser esquecida?
Acordo quadro sobre Teletrabalho
O acordo-quadro da UE sobre teletrabalho é de 2002, e ainda constitui a principal referência para a regulamentação do trabalho virtual por meio de negociação coletiva e regulamentação estatal. Mas este acordo não tem sido aplicado a todos os setores de atividade laboral.
Normalmente, os sindicatos afirmam que a regulamentação do ‘teletrabalho’ não é uma ferramenta adequada para proteger os empregados das novas formas de trabalho virtual (trabalho à distância, teletrabalho casual, etc.) que acompanham a difusão de novas ferramentas de TIC como smartphones, tablets ou laptops, e estão causando efeitos negativos nas condições de trabalho.
Comparados com os sindicatos, as organizações de empregadores de topo parecem mais relutantes em regular novas formas de trabalho virtual ou até exigir maior flexibilidade para a implementação de acordos de trabalho virtual.
Estas têm sido as conclusões de um estudo recente realizado a nível europeu, em que Portugal participou (projeto DeepView, www.deepview-eu.org/). Parece, portanto, que mesmo que esta pandemia do CoViD19 tenha motivado o maior recurso à forma de teletrabalho, ele apenas se terá aplicado em alguns setores de serviços e na administração pública e educação. O potencial da sua extensão a outros setores foi verificado nesse estudo, por exemplo, aos cuidados de saúde, ao setor financeiro e no setor das tecnologias de informação. Mas, a passagem a teletrabalho a partir de formas convencionais não foi negociada, não foi preparada, não foi avaliada. Parece também que os parceiros sociais não estão ainda informados da importância dessa avaliação, uma vez que a experiência de utilização de teletrabalho foi muito alargada. E existe ainda receio sobre a utilização desta forma de trabalho em muitos setores produtivos. Poderíamos finalmente perguntar: quando se diz que o teletrabalho implicou redução de produtividade, isso pode ser verificado? Ou quando se afirma que as condições de trabalho melhoraram (ou pioraram) com o teletrabalho, há alguma confirmação empírica? Que evidências temos sobre isto que não sejam apenas as opiniões dos teletrabalhadores? E sabemos quais são as opiniões dos teletrabalhadores?
Penso que é nesse sentido que Carvalho da Silva afirma que não temos ainda os estudos científicos e empíricos indispensáveis para este conhecimento e para esta avaliação. Por isso, existe também o perigo que voltarmos ao ponto 0 pré-pandemia quando o teletrabalho era uma forma muito marginal de organizar a produção e as atividades laborais. E se isso acontece, então não teremos aprendido nada…
*António Brandão Moniz
Professor na FCT da Universidade Nova de Lisboa e investigador no CICS.NOVA