A BASE-FUT assistiu com estranheza e desapontamento à recente ameaça de demissão do Governo, ocorrida na sequência da aprovação, pela Assembleia da República, da contagem integral do tempo de serviço dos professores.
Recordamos que as carreiras são um pilar da regulação do trabalho nas nossas sociedades. Como é óbvio, as carreiras não são imutáveis. Mas alterações na sua arquitetura só podem emergir na e através da negociação coletiva. Tornar a arquitetura das carreiras e a sua concretização dependentes da arbitrariedade dos Governos será sempre sinónimo de retrocesso dos direitos dos trabalhadores – e, como tal, será sempre inaceitável para a BASE-FUT.
Podemos e devemos discutir prioridades na distribuição de recursos entre setores e dentro de setores (incluindo no interior do setor da educação). Mas não podemos aceitar que o paradigma orçamental restritivo que continua a vigorar seja uma justificação para o não reconhecimento do tempo integral de serviço dos trabalhadores. Isto por dois motivos:
- Porque, na proposta de lei aprovado na AR, está apenas em causa o reconhecimento de algo que é factual: o tempo de serviço congelado. Não é, em momento algum, prescrita a forma como a compensação desse tempo vai ser feita. Tal só pode emergir da negociação coletiva, podendo a compensação decorrente ocorrer de forma mais ou menos dilatada no tempo e implicar outras soluções que não apenas aumentos salariais.
- E porque por trás de preocupações orçamentais aparentemente neutras estão sempre opções de política que nada têm de inevitável. Por exemplo, continua a ser difícil de entender o contraste entre a extrema relutância no aumento da despesa com salários e a forma quase automática com que se aprovam financiamentos colossais à banca, sem qualquer contrapartida quanto à participação pública na sua gestão.
A BASE-FUT pugna por um sindicalismo solidário e vê com muita preocupação algumas tendências de corporativismo e pulverização sindicais que se têm manifestado recentemente no nosso país. Lembramos que estas tendências podem contribuir para a erosão da legitimidade do movimento sindical junto do povo e até para o incremento das desigualdades sociais. Mas é extremamente perigoso insinuar, como faz o Governo, que é ilegítima a existência de diferenças de capacidade reivindicativa de alguns grupos de trabalhadores.
As diferenças de capacidade reivindicativa entre grupos de trabalhadores não são um produto de qualquer conspiração ou capricho mas antes um fenómeno sociológico que resulta da organização do trabalho e da economia nas nossas sociedades. A questão, para o movimento sindical, sempre foi como canalizar e redistribuir esse poder diferenciado, de forma a conseguir obter ganhos para o conjunto dos trabalhadores, sem, ao mesmo tempo, alienar aqueles grupos com mais poder reivindicativo. Podemos discutir até que ponto o movimento sindical português está a conseguir esta síntese. Mas o que é certo é que o enfraquecimento da capacidade reivindicativa dos sindicatos representativos de grupos como os professores, os enfermeiros, os maquinistas ou os motoristas de transporte de matérias perigosas nunca trará nada de bom ao movimento sindical.
É incompreensível que o Governo faça depender a sua continuidade de uma farsa, como é o não reconhecimento de algo tão concreto e demonstrável como a duração do tempo de serviço congelado aos professores. Mas, mais do que isso, é sobretudo lamentável que um Governo do Partido Socialista decida trilhar o caminho da demagogia, classificando certos grupos de trabalhadores como privilegiados e egoístas e procurando assim virar os trabalhadores uns contra os outros. Ao fazê-lo, está a contribuir para o enfraquecimento do movimento sindical – que sempre foi uma base de apoio fulcral da social-democracia europeia em que o Partido Socialista se filia – e, por via disso, a prestar um mau serviço à nossa democracia.
Lisboa, 05 de Maio de 2019
A Comissão Executiva Nacional da BASE-FUT