A CGTP acaba de produzir um parecer jurídico sobre as propostas de alteração ao Código do Trabalho enviadas para debate e aprovação na Assembleia da República. O documento, de forma fundamentada e clara, demonstra a inconstitucionalidade de algumas dessas propostas, nomeadamente o alargamento do período experimental que, na nova modalidade,a ser aprovada, aumentaria para 180 dias para todos os trabalhadores.Oportunamente publicaremos as restantes partes do referido parecer jurídico que deve ser lido com atenção e sem preconceitos.
«O período experimental é, por definição, o período inicial de execução do contrato de trabalho durante o qual as partes podem avaliar se têm de facto interesse no contrato, mas é indubitável que este período é especialmente fixado no interesse do empregador, por ser o período durante o qual pode legalmente pôr termo ao vínculo contratual sem alegação de justa causa, sem aviso prévio e sem pagamento de qualquer compensação ou indemnização. Assim, podemos dizer que qualquer aumento da sua duração beneficia os interesses do empregador em detrimento dos interesses do trabalhador.
Na realidade, durante este período inicial de execução do contrato a relação laboral estabelecida permanece essencialmente precária, o que significa que quanto mais alargado for o período experimental maior é a precariedade e mais frágil a garantia da segurança no emprego.
Tendo em conta a natureza do direito à segurança no emprego enquanto direito fundamental, não há dúvidas que a norma que prevê o período experimental é uma norma restritiva de direitos, liberdades e garantias e, como tal, qualquer restrição neste âmbito terá que atender ao princípio da proporcionalidade e respectivos corolários da adequação, necessidade e razoabilidade.
Ora, um período experimental de 180 dias aplicado apenas aos trabalhadores à procura do primeiro emprego e aos desempregados de longa duração, independentemente da sua qualificação e da maior ou menor complexidade das funções a exercer, não é claramente adequado, necessário ou razoável.
Note-se que a finalidade do período experimental é unicamente avaliar se determinado trabalhador serve para desempenhar determinadas funções. Daí que se entenda ser razoável que a uma maior complexidade ou mais elevado grau de responsabilidade das funções exercidas corresponda um período experimental de maior duração, tendo em conta que quanto menos especializado é o trabalho, menor será o tempo necessário para avaliar da adequação do trabalhador para o desempenho das funções para que foi contratado.
Nova proposta visa alargar a precariedade
Ou seja, tendo em conta a sua finalidade específica, a duração do período experimental varia, e sempre assim foi, em função de aspectos objectivos estritamente relacionados com as funções a desempenhar e nunca em função da situação pessoal dos trabalhadores, como sucede na presente proposta, em que o motivo em que se fundamenta o alargamento do período experimental é a qualidade de trabalhador à procura do primeiro emprego ou de desempregado de longa duração.
Acresce que na prática este alargamento do período experimental não abrangerá todos os trabalhadores à procura do primeiro emprego ou desempregados de longa duração, mas apenas aqueles que não tenham especiais qualificações, uma vez que, para os mais qualificados, o período experimental já tem em qualquer caso, uma duração de 180 dias, ou seja este alargamento do período experimental visa apenas prolongar a precariedade da relação laboral dos trabalhadores à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração que sejam trabalhadores indiferenciados, o que significa que abrange precisamente aqueles trabalhadores que, dada a sua fungibilidade, são os mais expostos a situações de precariedade injustificada e, logo, os mais carentes da protecção do direito.
Aliás, quando em 2008 foi proposto o aumento do período experimental para 180 dias aplicável à generalidade dos trabalhadores, deixando de se fazer distinção entre trabalhadores indiferenciados e trabalhadores com especial qualificação, o Tribunal Constitucional[1] considerou que este alargamento era inconstitucional por violação do princípio da segurança no emprego, entre outros fundamentos por considerar não ser razoavelmente justificável prever um período experimental de 180 dias para trabalhadores indiferenciados, equiparando-os para esse efeito aos trabalhadores especializados. Ora, nesta Proposta a situação é muito idêntica porque, na realidade, o que se propõe é o alargamento para 180 dias do período experimental nos contratos por tempo indeterminado celebrados com trabalhadores à procura do primeiro emprego ou desempregados de longa duração, que não tenham especiais qualificações, equiparando-os assim aos trabalhadores nas mesmas circunstâncias mas que sejam mais qualificados.
No entender da CGTP-IN, o alargamento do período experimental nos contratos por tempo indeterminado celebrados com trabalhadores à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração, apenas porque o são, tem como objectivo exclusivo convolar este período experimental num contrato a termo de 6 meses, contornando assim, através de um instituto que não tem essa função, a limitação da celebração de contratos a termo imposta pela garantia constitucional da segurança no emprego.
Assim, este alargamento, nos termos em que vem proposto, é claramente inconstitucional por violar o princípio da segurança no emprego consagrado no artigo 53º da Constituição ao prolongar e agravar de modo desproporcionado a precariedade da relação laboral no período inicial da execução do contrato, potenciando ao mesmo tempo o risco de uma nova situação encapotada de despedimento sem justa causa.