Constantino Alves*
As notícias sobre atos de violências e de vandalismo em alguns dos bairros pobres de Lisboa e Setúbal sacudiram-nos de novo. A população, em geral, sente-se triste e surgem muitos desabafos e até sentimentos contraditórios: “Isto não está certo… destroem tudo… que culpa têm os contentores e carros? A culpa é dos pais… os polícias fazem a sua obrigação e muitas vezes são insultados… é uma falta de respeito em tudo… o país está numa miséria….É preciso que alguém ponha mão nisto…há também polícias que usam de força exagerada e têm atitudes discriminatórias e racistas…”.”
Meros episódios pontuais ou ações concertadas? Quem sãos seus autores? Haverá uns que planeiam e outros que executam? Serão do próprio bairro? As causas serão apenas imediatas? Os motivos serão apenas a vingança solidária com os acontecimentos do bairro da Jamaica no Seixal? Aproveitará a alguém um clima político de insegurança para justificar braços e regimes musculados?
Basta, por vezes, um rastilho e de imediato o fogo irrompe incontrolável.
Conhecendo mais de perto o Bairro da Bela Vista em Setúbal onde trabalho há 18 anos avanço com algumas notas para uma leitura e interpretação mais abrangente sem nunca esquecer o sábio e místico poeta Tagore que dizia: “Todos olham para a destruição e violência das águas do rio, mas ninguém pensa nas margens que o comprimem!”.
As tensões e violências nestes bairros são de natureza múltipla:
– A violência da pobreza, da exclusão e da marginalidade, o abandono das populações e estigmas, a degradação das habitações e a precária existência de equipamentos públicos, o baixo nível de educação e o reduzido número de acesso ao ensino superior, a difícil coexistência entre grupos e etnias, a fragilidade dos laços de convivência e o número muito elevado de famílias desconstruídas sem o apoio necessário para elas e seus filhos, a falta de perspetivas de vida e de futuro para muitos jovens, a sedução das drogas e de esquemas de vida fácil…
– A conflitualidade subjetiva existente entre certos grupos e camadas etárias com as forças da ordem, nomeadamente, PSP e GNR, devido a atitudes e ações de repressão discriminatórias conotadas com racismo ou por constituírem um entrave a certos ímpetos de destruição e vandalismo, próprios da idade ou de aspirações frustradas e distantes…
– A cultura juvenil de subúrbios e periferias das cidades sem modelos de vida estruturantes e motivadores e que tende a incorporar como afirmação da sua identidade a música, roupas, símbolos e ações desencadeadas noutros bairros, cidades e países, a afirmação da identidade em gangs e o “elogio do herói” com o qual se procura a identificação, a proliferação e intoxicação de filmes e jogos de violência, ou a atração que sente alguma comunicação social por tudo o que faça aflorar sentimentos e emoções mórbidos ou destruidoras.
Que fazer?
A cultura da paz e da não-violência são prioridade e que deverão passar, certamente, pela sua interiorização, aprendizagem e práticas pessoais, mas fundamentalmente como objetivo e estratégia coletivas ao nível dos combates às causas da exclusão social, da injustiça, da precariedade de vida, da educação e experimentação dos caminhos de paz, ações e eventos de diálogo e convivência entre grupos, gerações, etnias, forças de segurança, gestos simbólicos e manifestações de rua pela paz… e repropor aos jovens outros modelos e valores, pessoas como Ghandi, Luther King, S. Francisco de Assis, Jesus e tantos outros, tornando-os atores e protagonistas.
Não há caminho para a Paz, A Paz é o caminho, escreveu Ghandi.
janeiro de 2019
*Pároco da Paróquia de Nª Sr^da Conceição e Presidente do Centro Social e Paroquial D. Manuel Martins..