«O fenómeno da proliferação de low-cost-centers em Portugal tem vindo a aumentar rapidamente desde 2005 sob a sigla BPO, ou seja; Business Process Outsourcing»-diz-nos Gina Nandi que trabalha neste sector, depois de passar por call centers e aí ter desenvolvido a sua actividade profissional e sindical.
A Gina , que é membro da Comissão para os Assuntos do Trabalho da BASE-FUT enfrenta agora o problema de organizar os trabalhadores do sector dos «serviços partilhados» que as grandes empresas multinacionais organizam em Portugal onde existe gente qualificada, baixos salários e inspeção do trabalho pouco interventiva.Mais uma entrevista que vem ao encontro do Colóquio que a BASE-FUT vai organizar no dia 17 de novembro , em Coimbra, sobre os desafios do sindicalismo neste século, em parceria com o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.
Como sindicalista quais são as principais dificuldades na organização dos trabalhadores dos call centers e nos novos escritórios de serviços partilhados?
GN.O fenômeno da proliferação de low-cost-centers em Portugal tem vindo a aumentar rapidamente desde 2005 sob a sigla BPO, ou seja; Business Process Outsourcing, a terceirização de processos de negócios que usam intensamente a tecnologia da informação. Dada a proximidade do BPO à indústria da tecnologia de informação, também é classificado como um serviço de tecnologia da informação.
Portugal é um paraíso para a deslocação de projetos BPO de multinacionais, que freneticamente e de forma desumana querem reduzir ao máximos seus custos nas folhas de salário nos países de origem, que porventura já têm leis laborais mais adaptadas às novas formas de trabalho e relações laborais.Estas empresas contornam igualmente as condicionantes legais já instauradas nos seus próprios países, que facilitam a atuação dos sindicatos nacionais, por terem mais e melhores ferramentas juridícas para proteger os trabalhadores de abusos psico-sociais e doenças profissionais geradas pelo modelo BPO, transferindo os seus Centros de Chamada, vulgos Call Centers (CC) e Centros de Serviços Partilhados, ou seja, Shared Service Centers (SSC) para Portugal, novas Índias e Filipinas.
São em geral multinacionais que despedem seus funcionários nos seus países de origem para usufruir da falta de legislação/regulação em Portugal, levam os substitutos portugueses ao burn-out, com pacotes salariais parcos e pouco claros, incluindo bónus de línguas e prêmios de produtividade pouco explícitos e não constantes no contrato de trabalho. Pela leitura das empresas listadas, facilmente se chega à conclusão da conivência e corrupção passiva do nosso governo perante multinacionais como a Teleperformance, Fujitsu, BNP Paribas, Europcar, Siemens, Nestlé, Hiscox, Vodafone, Concentrix, WebHelp, Microsoft, Armatis, Grupo PSA, Sitel, Manpower, HP; Xerox, Subsea 7, Altran, DAR Engineering, Nokia, Colt, Solvay, Grunenthal, IBM, Yazaki, Bosh, Faurecia, La Redoute, Adidas, HB Fuller, Lufthansa, entre outras.
O que nunca é veiculado nos media é o facto de sermos o destino de preferência de projetos BPO, devido ao desemprego, dificulades de entrada no primeiro emprego, salários baixos, boa infra-estrutura tecnológica, competências em línguas estrangeiras, proximidade geográfica das multinacionais europeias, falta de legislação laboral neste novo setor terciário e principalmente, a permissividade do governo quanto as falsas Empresas de Trabalho Temporário (ETT’s), contratos diários, semanais, mensais, e por sorte semestrais, falta de atuação da ACT e clara submissão a interesses maiores, e a consequente passividade dos trabalhadores que não têm outra forma de rentabilizar as suas competências .
Por estes mesmos motivos, há uma grande dificuldade em organizar os trabalhadores neste setor de atividade, que perante a instabilidade financeira, o psico-terrorismo e a falta de um código laboral atualizado, não se atrevem a sair da inércia, nem mesmo para exercer um direito que já está instituido, ou seja; o direito a expressão de opinião.
Os trabalhadores sentem-se fragilizados dado o assédio indireto. Este é feito sob forma de divulgação pública dos seus objetivos e resultados de produtividade, às vezes em écrans gigantes nos open-spaces sobrelotados. É imposto um ritmo industrial numa linha de montagem tecnológica, onde cada trabalhador exerce apenas uma pequena parte da função de um todo, com um volume de trabalho muito superior ao dos seus antecessores nos países de origem. Assim sendo são facilmente substituíveis. Por exemplo, num BPO financeiro, uns só emitem faturas, outros só as corrigem ou fazem cobrança das mesmas. Acaba por ser uma tarefa repetitiva, onde os trabalhadores saem exaustos, sem capacidade mental para refletir sobre a importância do capital humano que representamos para estas empresas. Chega a ser irónica a dificuldade de organizar os trabalhadores, sendo que os trabalhadores são um dos motivos mais importantes para as multinacionais virem para cá.
A atividade nestes low-cost-centers não tem classificação própria em termos de categoria profissional, sendo os contratos celebrados como telefonistas, administrativos de terceira, auxiliar de escritório e afins. É importante ressalvar, que as gerações mais novas nunca conheceram outras formas de trabalho, muitos com cursos superiores, mas sem experiência fora de BPO’s, sendo assim domesticados para serem escravos digitais robotizados de tal forma, que aceitam as metodologias de trabalho como se dados adquiridos fossem. Poucos conhecem seus direitos, desconhecendo inclusive nosso código laboral.
Apenas 8% das empresas em Portugal têm representação dos trabalhadores. É o valor mais baixo da Europa, e segundo Paulino Teixeira, esta realidade “é fruto de várias circunstâncias históricas”. Em Portugal, “a cultura é mais de hostilidade e de confronto entre trabalho e capital, entre empregados e patrões”. Uma situação que “é fruto de décadas de ditadura, mas também da influência política sobre os sindicatos em Portugal”
Nos locais de trabalho que tu conheces, os actuais e outros do passado as entidades patronais preocupam-se com as condições de trabalho, nomeadamente com a promoção da segurança e saúde dos trabalhadores?
GN.Tratando-se do modelo BPO, ou seja; low-cost-centers, eis aqui mais um motivo para as multinacionais acima mencionadas se deslocarem para Portugal. Apesar de se apresentarem como empresas empenhadas no seu capital humano e preocupadas com o bem-estar dos seus trabalhadores nos seus estatutos de valores e no seu marketing a nível global, a partir do momento que criam low-cost-centers com denominações sociais diferentes em Portugal, empresas low-cost como sub-empresas, fornecedores de serviços ou sub-unidades de negócios, todos estes conceitos são violentamente ignorados, quando vêm para Portugal. A falta de legislação própria para este setor de atividade em Portugal, assim como os ouvidos moucos da ACT, são mais uma vez o motivo das suas presenças em Portugal.
Os centros low-cost são open-spaces sobrelotados por metro quadrado, causa de inúmeros problemas de saúde, uma vez que estes espaços foram projetados para um número máximo de postos de trabalho. As infra-estruturas usadas não têm capacidade para suportar o dobro de postos de trabalho, onde os trabalhadores têm inclusive problemas para puxarem uma cadeira para trás ou esticar as pernas para a frente. As vias de circulação são verdadeiros labirintos, o acesso à porta de emergencia praticamente inviável. Há quem se queixe inclusive da falta de oxigénio. A falta de inspecção proativa da ACT é mais um motivo para Portugal ser destino de preferência destas multinacionais que só se preocupam em reduzir custos e evitar entraves jurídicos nos seus paises de origem. Algumas inclusive não proporcionam ferramentas digitias atualizadas para não pagarem as licenças, dificultando a boa execução das tarefas em ritmo industrial nestas linhas de montagens digitais.
Na tua opinião quais os principais desafios do sindicalismo na actualidade?
GN.Os Sindicatos precisam de se adaptar urgentemente aos problemas inerentes da IV Revolução Industrial, uberização, neo-esclavagismo, fruto da nova ferramenta de gestão.Inventario aqui apenas alguns aspectos que são desafios para os sindicatos:
“A precarização” .A precariedade tem obrigado muitos profissionais qualificados e licenciados a trabalhar em qualquer open space, por mais insalubre seja.
Caso os Sindicatos não tenham capacidade de compreensão, mais assimilação e respostas tão rápidas como as próprias tecnologias de informação para defender os trabalhadores em questões como por exemplo, citando apenas alguns:
“plustrabalho” e invisibilidade do tempo efectivo de trabalho; intensificação do tempo de trabalho e sua desqualificação; desequilíbrio entre produtividade e salário; versatilidade laboral do trabalhador, não reconhecida;
“não desconexão” entre tempo de vida e tempo de trabalho;
percentagem crescente de trabalho não pago;
individualização progressiva das relações laborais com crescente enfraquecimento do seu quadro normativo geral; contradição entre inovação tecnológica e organização social;
muito capital especulativo, pouco investimento produtivo, onde os Estados não exigem criação de emprego e investimento produtivo, mas flexibilização do trabalho,
No futuro os sindicatos correm o risco de não serem representativos dado o crescente números de Trabalhadores a serem ameaçados com a não-renovação dos contratos precários; pressionados e assediados por KPI’s – métricas de produtividade e supostos SLA’s
monitoramento constante, inclusive dos ecrãs, onde os comandos que fazem em cada programa são controlados; tornando os trabalhadores extensões robóticas dos computadores, sem autonomia, apenas um números de Login, a debitar tarefas repetitivas, como se de uma linha de montagem digital se tratasse.
Estas novas ferramentas informáticas são por si ferramentas de assédio subtís, geradores de riscos de saúde psicosociais ocupacionais graves, sendo que a revisão da Segurança e Saúde, com crescentes riscos nesta nova indústria de trabalho,fábricas digitais, deveria ser alvo essencial para os mais novos sindicatos acompanharem a IV Revolução Industrial.
Por fim, há Sindicatos instituídos e de renome há mais de uma década, que exigem as mesmas 14 quotas anuais de contribuição, não somente sobre o salário base,mas incluindo o tempo de baixa médica. Trabalhadores precários com salários atuais muito mais reduzidos em relação a sindicalizados com contratos antigos, não têm capacidade de se sindicalizar devido ao estipulação de quotas de há anos atrás. Este é um fator gritante, como os sindicatos não acompanham a realidade do mercado e trabalho.
Os sindicatos são fortes em Know-how relativamente às profissões consagradas há décadas, mas são pouco legalmente especializados em trabalhadores digitais de Low-cost Centers, que agora receberam um novo make-up, auto-denominando-se como HUBS Tecnológicos.
Grande parte dos sindicatos não têm sido uma ajuda para quem mais precisa deles