Desde o mês de abril, os trabalhadores da Sociedade Nacional dos Caminhos de ferro Franceses (SNCF) iniciaram um movimento de protesto contra a reforma da empresa pública pelo presidente Emmanuel Macron. O “Pacto ferroviário” apresentado pela Ministra dos Transportes Elisabeth Borne visa modernizar a empresa criada em 1937 e, sobretudo, preparar a liberalização dos transportes prevista pela União Europeia em 2019 para as linhas regionais e, em 2020, para as linhas de alta velocidade. O governo argumenta com a necessidade de tornar a empresa mais competitiva.
A luta dos trabalhadores começou a 3 de abril e vai prolongar-se até 5 de junho, data prevista da votação do texto no Parlamento. Os sindicatos da SNCF, movimento intersindical unitário CGT, UNSA, SUD, CFDT, inovarão ao desenvolver uma “maratona” de luta que visa manter a pressão no governo. O movimento de greve irá durar 3 meses, alternando dois dias de greves com três dias de trabalho, para um total de 36 dias de greves não consecutivos.
A estratégia sindical visa minimizar os dias de salarios perdidos e sensibilizar a opinião pública ao longo dos três meses. A mobilização foi forte mas conheceu uma baixa na 11ª sequência de greve, a 23 e 24 de maio. De 14 a 21 de maio os sindicatos organizaram um referendum interno sobre o Pacto ferroviário do governo – a “Vot’action”. 61,15% dos trabalhadores da empresa participaram e 94,5% votaram contra, numa iniciativa sem valor jurídica.
Um ataque ao serviço público de transporte
A SNCF é hoje marcada por uma degradação da rede e do serviço, com atrasos cada vez recorrentes e deve enfrentar a concorrência dos transportes em autocarro favorecidos pelo mesmo Macron quando era Ministro da Economia de François Hollande. Deve também resolver uma dívida de 54,4 bilhões de euros que provém principalmente da primeira liberalização do setor em 1997.
Nesse ano, a companhia pública foi divida em dois entidades: a SNCF Réseau que gere a rede ferroviária e das infraestruturas e a SNCF Mobilités, responsável pela circulação dos comboios. A SNCF passou assim a pagar portagens para poder usar uma rede que antes lhe pertencia. Em 2003, o setor do transporte de mercadoria foi aberto à concurrência e trouxe maior dificuldade à empresa numa área altamente rentável. A dívida da empresa, instrumentalizada pelo governo, é assim o resultado de escolhas políticas.
O projeto apresentado pelo governo constitui um verdadeiro ataque ao serviço público ferroviário. O relatório Spinetta de fevereiro e que constitui a base para a atual reforma indica a possibilidade de supressão de linhas não rentaveis. O governo prevê a transição da empresa pública para uma Sociedade Anónima e o fim do estatuto dos trabalhadores ferroviários. Este estatuto, conquistado pelos trabalhadores, prevê a garantia do emprego, uma segurança social mais vantajosa e a descontos nos comboios para os trabalhadores e membros da sua familia. Estas regalias vêm compensar as condições de trabalho dificeis, muitas vezes físicos, o trabalho de noite e ao fim-de-semana. Os ferroviários recebem em média 3090 euros brutos contra 2912 euros para média nacional. Existem hoje 146 000 ferroviários com este estatuto na SNCF, um número em constante baixa.
Para uma politica de transporte social e ecológica
Os trabalhadores da SNCF apontam para o risco de uma privatização da empresa pública, como aconteceu noutros setores. A reforma do governo seria assim uma etapa preparatória de retirada do Estado do setor ferroviário e a sua entrega ao mercado. As consequências seriam dramáticas para as regiões mais rurais do país e para as populações afastadas das grandes cidades. A Federação Nacional das associações de utentes dos transportes (Fnaut) já manifestou a sua completa oposição ao projeto governamental. Apesar da cobertura enviesada da comunicação social, os trabalhadores da SNCF estão hoje em luta não só pelo seu emprego mas sobretudo por um serviço público ferroviário de qualidade para os utentes.
O governo ainda não mostrou sinal de querer recuar no seu projeto e o processo legislativo está a chegar ao seu termo. As últimas declarações de responsáveis sindicais parecem mostrar uma possível divisão entre os sindicatos que querem o abandono do projeto governamental e aqueles que procuram negociar uma saida do conflito. É urgente uma mobilização de todos os cidadãos para, junto dos trabalhadores da SNCF, salvar uma empresa pública, fundamental para a mobilidade nacional e para uma política ecológica de transporte.