Princípios e perspetivas sindicais da BASE-F.U.T. (1976)

A publicação e posterior difusão deste documento ficou decidida no Encontro de Militantes Sindicais, realizado em Coimbra, de 17 a 20 de Junho de 1976. O objetivo deste encontro foi discutir e decidir sobre os conteúdos e formas de intervenção no anunciado Congresso de Todos os Sindicatos, que se veria a realizar entre 27 e 30 de Janeiro de 1977.

Participaram no encontro cerca de 50 sindicalistas, militantes e simpatizantes da Base-FUT. O documento foi aprovado nas suas linhas gerais, sendo que o seu conteúdo mais não foi do que a formulação sistematizada dos princípios sindicais que o Movimento BASE elaborara ao longo da intervenção militante nos anos da clandestinidade, com os aprofundamentos impostos pelas profundas transformações da vida sindical decorrentes da Revolução de Abril.

O sindicalismo que rejeitamos

 

Tem sido uma constante na história do sindicalismo em Portugal e no mundo a existência de várias correntes sindicais.

Assim,existe a corrente que não põe em causa a existência de explorados e exploradores, que pretende conservar a sociedade capitalista,«enganando» com uns tostões a mais os trabalhadores-como quem atira umas migalhas aos ratos para impedir que eles tomem a mesa.

Este sindicalismo, por princípio,está sempre ligado aos governos e aos partidos sociais democratas.A sua caracteristica principal é a participação e a conciliação com o capitalismo.

Em Portugal, procura apresentar-se como o defensor da «liberdade», da «democracia», do «apartidarismo» e do «direito de tendência», abrindo as portas ao pluralismo sindical que o mesmo é dizer à divisão da classe dos explorados.

Rejeitamos esta corrente sindical, porque direta ou indiretamente ela defende(porque não ataca) o capitalismo, quer ele se chame social democrata, liberal ou neo capitalista.

Outra corrente, é essencialmente definida como «correia de transmissão» do partido político no sindicato.Isto é, as direções sindicais subordinam a política e a ação sindicais às orientações e estratégias partidárias.Esta é a corrente sindical atualmente preponderante no Movimento Sindical Português, sendo,igualmente,embora com colorações diferentes, a corrente sindical que inspira a actuação dos militantes de organizações e Partidos Leninistas.

A subordinação do sindicato ao partido implica uma prática cupulista, dirigista e anti democrática por parte das direções sindicais na medida em que, em várias ocasiões e situações, têm de «controlar» os trabalhadores para os impedir de expressar livremente as suas capacidades de luta, de orientação, de organização e de alternativa.Apesar das direções sindicais, constituídas por militantes desta corrente, contestarem o sistema capitalista, a sua luta, em razão da concepção leninista que têm do sindicato,é subordinada á estratégia do »seu» partido em ordem à conquista do poder político.

Por tudo isto rejeitamos igualmente esta corrente sindical.

Em conclusão,a BASE-FUT rejeita não só o sindicalismo e participação capitalista e de conciliação de classes, mas também o sindicalismo de «correia de transmissão partidária».

O sindicalismo que defendemos

Ao rejeitarmos os dois tipos de sindicalismo atrás apontados, não o fazemos por simples capricho contestário,mas por entendermos que, embora por razões diferentes,eles impedem os trabalhadores de construir, a Sociedade Socialista Autogestionária, a sociedade organizada, planificada, dirigida e controlada pelas suas próprias mãos, seu pensar e seu querer.

Por isso defendemos um sindicalismo em que os trabalhadores participam ativamente, a partir da unidade de trabalho(base), na discussão dos problemas e situações que os afetam, bem como na orientação dos processos de luta a adoptar e se movimentam combativamente na defesa dos seus direitos e interesses (massas), adquirindo, através da luta de cada dia, identidade e consciencia de classe a que pertencem e pela libertação da qual devem lutar:a dos explorados e oprimidos (classe).

Defendemos pois um sindicalismo de base, de massas e de classe. Esta é a alternativa que os militantes sindicais da BASE-FUT propõem aos trabalhadores portugueses.

Um sindicalismo de Base

É a partir das unidades de trabalho que a classe se organiza,consciencializa e luta pela sua emancipação.

É nos locais de trabalho que os explorados elegem comissões, órgãos que não os substituem na luta, mas somente a coordenam.É aí que se constituem Comissões que ligam as suas lutas às estruturas sindicais para que estas as assumam, dinamizem e perspetivem.

É aí que se ultrapassa a pesada máquina burocrática e cupulista das estruturas sindicais.É aí que se rejeita o vanguardismo de «educadores e dirigentes» que exclui a participação ativa e permanente dos trabalhadores.Recusamos também o «basismo» fechado, que não sai do local de trabalho e não dá perspetivas do todo que é a luta das classes trabalhadoras contra todas as formas de exploração.

 

Um sindicalismo de Massas

É uma caracteristica do sindicalismo que através da sua prática amplamente participada faz com que os trabalhadores ultrapassem as lutas inter profissionais praticando a unidade e, ultrapassando os limites restritos do seu local de trabalho, participem nas lutas globais da classse.

É através desta prática que se consegue aumentar o número de trabalhadores conscientes dispostos a lutar, coletivamente, por uma sociedade sem classes.

Um sindicalismo de Classe

Ao ultrapassar as lutas inter profissionais, praticando a unidade, os trabalhadores experimentam  a existência de duas classes que sempre lutaram e lutarão entre si, enquanto existirem: a dos explorados e a dos exploradores.

A caracteristica de classe resulta do empenho do Sindicato e da Organização Sindical na luta coletiva pela libertação das classes exploradas, com o objetivo de destruir e eliminar o capitalismo, pondo termo ao poder do capital, baseado no lucro, ao regime de assalariado,à divisão classista do trabalho,à hierarquização de funções,à exploração e alienação das massas trabalhadoras.

Segundo a BASE-FUT o sindicalismo de classe abrange todos os trabalhadores que, de forma inequívoca, decidiram lutar pela eliminação da classe exploradora e que,entre os explorados,dão primazia aos anseios dos mais explorados.É o caso, por exemplo, dos trabalhadores Técnicos e dos Serviços que , em regra,menos explorados (ou mais subtilmente explorados) se solidarizam e aliam aos trabalhadores da produção, aos camponeses pobres e aos pescadores, na luta contra a exploração capitalista e pela construção da Sociedade Socialista.

O sindicalismo de classe rejeita qualquer tipo de conciliação com os que exploram e oprimem o povo trabalhador, isto é,recusa a possibilidade de realização de qualquer pacto social entre capistalistas, o governo (social democrata, neo capistalista ou liberal) e os sindicatos.

A prática do sindicalismo de base, de massas e de classe

Os militantes sindicais da BASE-FUT constatam que para uma prática correta do sindicalismo de base, de massas e de classe é fundamental: a democraticidade interna na ação e estruturas sindicais, o apartidarismo,a ação unitária, o controlo da sociedade capitalista.

 

Democraticidade interna

Por democracia não entendemos o que os burgueses entendem.Para nós a democracia tem um conteúdo de classe:é o poder do povo trabalhador, é a vontade e o poder dos trabalhadores e só destes. Na prática sindical isto representa, por um lado, que todos os explorados têm voz na definição das lutas, métodos e objetivos de ação sindical e por outro que os elementos mais recuados na luta de classes não são cilindrados.

Defendemos que os dirigentes sindicais e todos os elementos eleitos, além de poderem ser substituídos sempre que os trabalhadores assim o entendam, não podem decidir em nome dos trabalhadores sem antes debater amplamente as questões que a estes respeitam e afetam.Para nós, eleger não é igual a delegar. Por isto torna-se necessário criar mecanismos que garantam e dinamizem permanentemente a livre expressão.

A democraticidade interna na ação e estrutura sindical não é, nem se pode confundir com o chamado direito de tendência. A democraticidade é libertadora, pois permite a participação ativa e livre de todos os explorados, enquanto o direito de tendência é a intromissão dos Partidos Políticos no Sindicato que, sob forma organizada, defendem no interior da Organização sindical as lutas partidárias e permite que,por sua via,orientações contrárias aos direitos e interesses dos trabalhadores tenham expressão no seu interior. Em última análise, o direito de tendência é o reconhecimento do direito dos partidos políticos fracionarem os Sindicatos e a Organização Sindical segundo a força que cada um daqueles consiga fazer impor. Ao fim e ao cabo, constitui uma forma encapotada de pluralismo sindical.

Apartidarismo

Defendemos que os sindicatos terão de ser apartidários, embora políticos, porque a política é o todo da vida do povo trabalhador (é o custo de vida,são os transportes, é a escola, é a previdência). Ser político não é o mesmo que que estar identificado com qualquer partido. A Organização sindical tem de ser apartidária, tem de se defender da instrumentalização partidária.A experiência tem-nos demonstrado que os partidos, mesmo alguns que se dizem por um sindicalismo apartidário, na prática têm procurado controlar os sindicatos. Os sindicatos como organizações de massas integram elementos de diversos partidos pelo que a não ser ressalvado o caráter apartidário do sindicato,os trabalhadores acabarão por se dividir entre si e, até, por se desinteressarem e afastarem da ação sindical.

Acção Unitária

A necessidade prática de uma ação unitária provém de uma ideologia e experiência que se afirma como um sindicalismo de base, de massas e de classe e visa sempre a unidade de todos os trabalhadores, que na prática, estão unidos pela natureza da sua comum condição de oprimidos e explorados pela mesma força: O CAPITAL.

Somos, assim,por uma prática que una os trabalhadores e não os divida.Estamos convictos de que a unicidade, isto é, a existência de uma Única Organização Sindical (seja a nível de unidade de trabalho, do setor de atividade ou de âmbito regional ou nacional) é fundamental para a unidade de todos os explorados e, por isso, defendemos a unicidade. Contudo dizemos não às falsas unidades. A unidade entre os trabalhadores tem de assentar na ação sindical anti capitalista, de opção de classe e visar a construção da sociedade Socialista.

Controlo da sociedade capistalista

Na perspetiva anti capitalista da ação sindical que tem por objetivo eliminar a sociedade de homens explorados e oprimidos por outros homens exploradores a ação sindical tem de apontar para o controlo da sociedade capitalista a todos os níveis, controlo esse que é exercicio e experimentação, mais ou menos limitada de organização, planificação, controlo e direção em ordem á edificação da Sociedade Socialista Autogestionária.Daí a defesa do controlo operário alargado para além dos limites restritos da produção, isto é,ampliado a todos os setores e níveis da sociedade (ensino, saúde,imprensa,etc).

Sindicalismo ideológico e cultural

O sindicalismo de base, de massas e de classe, com prática de democracia interna, apartidarismo, ação unitária e controlo da siciedade capitalista (controlo operário) constitui o sindicalismo ideológico e cultural que defendemos.

Ao defendermos um sindicalismo ideológico e cultural, fazemo-lo a partir da nossa experiência e do conhecimento de que, para responder ao desafio histórico que é feito ao sindicalismo, este tem de ser animado por uma ideologia em permanente confrontação com a realidade da sociedade em que atua, e tem de ter uma intervenção cultural que desenvolva nos trabalhadores a consciência de que a sua real emancipação passa pela revolução cultural inerente à luta de classes. Esta prática cultural do sindicalismo passa pela denúncia do ensino burguês, pelo exterminar da cultura burguesa, alertando os trabalhadores para a alienação de que são vítimas e criando espaços para que, no exterior da Organização Sindical,seja definida a ideologia da classe dos explorados que deve animar a siua ação.

Defendemos um sindicalismo ideológico, isto é,os trabalhadores, através de amplos debates, devem, em vivência democrática, teorizar, a partir da prática da luta, as suas linhas de orientação e perspetivar a sua ação em ordem à construção da Sociedade Socialista.Isto exige que se dê relevo às lutas operárias como o mais importante factor cultural dos trabalhadores, no pressuposto de que a definição ideológica da Organização sindical e a sua intervenção cultural se deve fundamentar na luta de classes, já que é esta o motor do desenvolvimento dos valores culturais inerentes à classe trabalhadora.

A ideologia da Organização sindical não deve ser estática como se depreende de quanto foi afirmado.Ela deve vivificar-se permanentemente através da constante confrontação entre a realidade e ação desenvolvida para transformar essa mesma realidade.

Esta ação passa evidentemente por uma concretização a nível, por exemplo, da elaboração e execução de novos programas de ensino, inserindo a vida e a luta das classes trabalhadoras na escola (infantil,primária, secundária e universitária) e ligando esta àquelas.

Resumindo, a prática de um sindicalismo ideológico e cultural não é o sindicato fazer cursos de formação ideológica ou criar secções culturais, cursos de alfabetização, bibliotecas etc.mas, sim,que,essencial e fundamentalmente, toda a ação sindical tenha por objetivo transformar o homem trabalhador, mudar a sua situação concreta, dotá-lo de valores próprios da cultura operária que deêm corpo e espírito aos anseios porofundos das massas trabalhadoras de construir uma Sociedade Nova-a SOCIEDADE SOCIALISTA AUTOGESTIONÁRIA-a Sociedade organizada, planificada, controlada e dirigida por homens livres, por Homens Novos.