Poder operário na Polónia (1981)

Em 1981 abate-se a repressão do governo Polaco sobre o «Solidariedade» um sindicato com caracteristicas de movimento político e dinamizador de uma onda de greves com o epicentro nos estaleiros de Gdansk e em ruptura com o regime comunista. Em Portugal todos tomam posição sobre acontecimentos que se viriam a revelar históricos. Reproduzimos abaixo o comunicado da BASE-FUT, uma posição diferente da posição tomada pela CGTP, crítica e com uma leitura autónoma dos acontecimentos. A esta distância no tempo, e depois de vermos a evolução política naquele País e o caminho do próprio «Solidariedade», achamos interessante e único este documento.

 

INADMISSÍVEL O RECURSO À MILITARIZAÇÃO

Comunicado da BASE-FUT contra a supressão das liberdades e a militarização na Polónia»

 

«Condenamos energicamente a supressão das liberdades e a militarização da Polónia, acontecimentos que consideramos da maior gravidade por agudizar ainda mais as tensões internacionais e bloquear um processo político cheio de potencialidades para a emancipação dos trabalhadores, nomeadamente a busca de novas vias para um socialismo liberto da estatização e da burocracia e a procura de formas autogestionárias, modeladas pela participação e controlo dos trabalhadores, a todos os níveis da sociedade.

 

DIFICULDADES EM SUPORTAR A INTERVENÇÃO SOCIAL E POLÍTICA DOS SINDICATOS AUTÓNOMOS

 

Tais acontecimentos, sob o nosso ponto de vista, são uma prova mais de que todos os sistemas políticos têm dificuldade em suportar a intervenção das Organizações Sindicais, quando autónomas, na área da intervenção social e política.

Está provado historicamente, mesmo em Portugal,tanto no passado como mais recentemente, que sempre que os trabalhadores e os sindicatos não cedem ao «pacto social» nem se contentam em «jogar ao gato e ao rato» na luta por melhoria das condições salariais, os detentores do poder económico, político e militar não resistem à tentação de recorrer à força e à violência para travar as movimentações sociais, silenciar as classes trabalhadoras e aniquilar as Organizações Sindicais.

E não só nos países reconhecidamente ditatoriais.Mesmo nos países em que a liberdade formal é reconhecida, os trabalhadores e as suas organizações representativas são reprimidas e violentadas por enquadramentos jurídicos, procedimentos e legislação que torna praticamente nula a participação dos trabalhadores-produtores na gestão da sociedade.

 

CÍNICOS CARPIDOS PELA POLÓNIA-SILENCIAMENTO DA REPRESSÃO SINDICAL NA TURQUIA

 

Também nos tempos presentes em muitos países de todos os continentes registam-se situações gritantes de repressão contra as massas populares e suas organizações sindicais, culturais e políticas,isto perante a conivência e, até apoio tácito ou directo, dos mesmos governos, partidos, organizações e imprensa que, nesta hora, faz soar, por todo o mundo, os seus cínicos carpidos pela Polónia enquanto por exemplo, silenciam que na véspera de Natal, na Turquia da NATO, 52 dirigentes sindicais vão ser levados a tribunal e que as autoridades militares pedem para todos a pena de morte.

É evidente que esta realidade do mundo capitalista não serve de atenuante para as medidas repressivas e iníquas que as autoridades polacas adoptaram contra o povo polaco.Para a BASE-FUT é inadmissível que um estado que se reclama do socialismo recorra à militarização, prenda os dirigentes sindicais e encerre as sedes da Central Sindical;numa palavra, reduza ao silêncio a voz dos trabalhadores.

As armas e os blindados na Polónia saem à rua, segundo justificaram as autoridades militares,para solucionar a crise e salvar o socialismo.

 

O SOCIALISMO SÓ PODE SER DEFENDIDO PELA FORÇA DAS IDEIAS

 

Mas como querem as autoridades militares solucionar a crise sem o Solidariedade se,como o próprio chefe da Junta Militar reconhece, a Central Sindical é o mais forte movimento de massas existente no País e é ele que detém a representatividade de larga maioria da classe operária e dos trabalhadores polacos.

E como querem as autoridades militares salvar o socialismo sem o Solidariedade que, ainda recentemente, no Congresso, confirmou a sua opção pelo socialismo e pela autogestão?!

O socialismo, seja na Polónia, como em qualquer parte do mundo, só pode ser defendido pelos trabalhadores, pela concretização de um projecto de Sociedade Nova que seja o resultado da transformação das relações de produção e formação culturais, que seja a emergência de um Homem Novo criador de uma sociedade socialista autogestionária, em que a solidariedade e a liberdade sejam o bem maior.

 

DESAIRES DA DIRECÇÃO SINDICAL E POLITICA DO PARTIDO COMUNISTA POLACO

 

O caos a que o país chegou através da direcção sindical e política do Partido Comunista polaco atesta que a experiência socialista se salda por um desaire e que os protestos de todo o povo não podem ser afogados pela exclusiva razão de que está em causa o «bom nome» do socialismo ou a imagem dos seus vizinhos do Leste.É que tal situação não é possível de ser normalizada pela força das armas.Por isso, é-nos legítimo pensar que a intervenção das armas , para mais manejadas pelos filhos do próprio polaco, vai abrir feridas bem profundas não só na classe operária mas no povo trabalhador de todo o mundo. O que se passa na Polónia interessa aos trabalhadores de todo o mundo, pelos reflexos que os actuais acontecimentos têm em todos quantos lutam contra a repressão e a injustiça e por um mundo solidário e socialista.

Pensamos que o diálogo, a negociação e até a partilha do poder com o Solidariedade constituiriam a única saída responsável para a crise que atravessa a Polónia.E lamentamos que tal saída seja óbviamente mais difícil, senão mesmo inviável após a repressão militar em curso.

Por tudo isto sentimos profundamente a dor do povo polaco e condenamos energicamente as medidas repressivas que se abatem sobre todos os que lutavam e lutam por uma solidariedade e liberdade maiores para a Polónia.Contudo não podemos deixar de condenar a hipocrisia, a demagogia e o oportunismo das organizações políticas e sindicais e de quase toda a imprensa que em Portugal diz apoiar os trabalhadores polacos quando aqui nunca se bateram pelos direitos dos trabalhadores e nunca desceram a rua para protestarem contra a situação degradante e de crescente miséria a que estão condenadas vastas camadas da população portuguesa.

 

Lisboa,18 de Dezembro de 1981

 

In Revista Autonomia Sindical, Abril/Junho de 1982, nº 5.