Maria da Glória Guedes, de Santa Marta de Penaguião, é há varios anos cuidadora da sua mãe acamada e doente crónica.Nesta breve entrevista conta o que tem sido a sua vida como cuidadora informal:
O ser cuidador informal da tua mãe influenciou a decisão de abandonares o teu emprego em determinada altura.Quais foram as dificuldades que sentiste?
A determinado momento tornou-se difícil ser cuidadora informal e manter o meu emprego,porque eu estava preocupada com o meu trabalho e com a minha mãe ao mesmo tempo. Ela pedia e requeria mais cuidados,mais idas ao médico, mais cuidados com a medicação e obtenção da mesma,idas ao hospital, etc. Por sua vez o meu trabalho exigia que eu me lembrasse de muitas coisas pois era um trabalho que envolvia organismos públicos e a necessidade de cumprir prazos, tarefas diversificadas e com responsabilidade.
Fiquei cansada, esquecida, ansiosa e comecei a sentir que não fazia o meu trabalho como eu gostava, esquecendo-me de coisas, tornando-me desorganizada por estar a pensar em diversas coisas ao mesmo tempo e ter diferentes preocupações com a casa , a mãe e o trabalho. Por parte da mãe era-me exigido mais tempo, pelo que não tinha a disponibilidade no emprego para algum assunto que requisitasse algum tempo extra como a preparação e obtenção de documentos para uma exportação que tinham timing próprio. O saber que a mãe estava em casa, sózinha, à porta fechada e com medicação a tomar a hora certa deixava-me inquieta e incapaz de raciocinar correctamente. Começava a fazer coisas, a que teria que dar o respectivo seguimento, e de que eu me esquecia,porque entretanto havia mais um sobressalto uma preocupação com a mãe.
Como alternativa ao desemprego desenvolveste uma actividade hoje muito comum que foi o «Alojamento Local»É uma actividade mais compatível com a função de cuidador ou também limita muito a tua actividade no dia a dia?
O ser cuidador informal limita muito a actividade do dia a dia,porque não posso desenvolver esta actividade plenamente interagindo com os meus hóspedes,partilhando experiências, dando a conhecer a cultura local e ficando a conhecer um pouco a deles. Era essa a filosofia inicial do receber hóspedes em casa, a que depois se chamou Alojamento Local. Na verdade, chega a ser complicado o próprio check-in e check-out,dado que as pessoas chegam/partem sempre a horas diferentes que procuro que não coincidam com a higiene , que se repete ao longo do dia por se tratar de uma pessoa acamada e com fralda, com as refeições, com os momentos em que a pessoa está sentada e por isso exige mais vigilância. A limpeza, tratamento das roupas, limpeza e preparação da Casa gastam muito tempo e entre essas tarefas tenho que fazer as de cuidador informal que são muitas: fazer a higiene,cozinhar, dar as refeições, dar medicação, ter cuidado para que beba ,ou dar mesmo, água. As tarefas vão-se multiplicando porque o seu estado agravou-se, além dos problemas físicos há problemas psicológicos,medo de estar sózinha, há muitas vindas do médico em que é preciso estar presente,algumas emergências para o hospital, muitos nervos e ansiedade da minha parte, porque a mãe se queixa de muitas dores, se recusa a comer e não tenho qualquer apoio de enfermagem ou do médico de família. Nem sequer indicações de como tratar ou actuar em determinadas circunstâncias de um doente e idoso nestas condições. Procuro falar um bocadinho com os meus hóspedes e dar-lhes sugestões do que fazer, do que visitar, do que comer nesta região,mas sinto que fico sempre aquém do que poderia fazer para divulgação da nossa terra, para enriquecimento da estadia do hóspede, para melhorar a própria Casa.
Qual a compensção financeira que actualmente a Segurança Social presta a cuidadores na tua situação?
A minha mãe recebe mais 186, 31 Euros,porque lhe foi atribuído um segundo grau de dependência.Nem sequer lhe foi atribuído o 3º grau, embora esteja acamada e extremamente debilitada, totalmente dependente, sendo mesmo preciso meter-lhe a comida na boca.
Podes falar do teu desgaste físico e psicológico a que te obriga a função de cuidador?
O desgaste físico é muito grande , porque tenho que a puxar na cama,porque vai escorregando, virar para a higiene e colocar fralda, levantar para mudar roupas e cama,sentar no sofá, deitar na cama, fazer a higiene, espalhar cremes, dar medicação. Andar entre o quarto e a cozinha para cuidar e preparar as refeições, acorrer quando chama,etc. Diferentes problemas de que sofre como a obstipação e incontinência obrigam a higiene e mudas às vezes seguidas. O desgaste psicológico é enorme por se tratar de uma pessoa muito deprimida, exigente ,queixosa, muito ligada a mim e a quem eu estava obviamente muito ligada. As noites começam a ser mal dormidas, tenho dores por a ver sofrer e eu já não ter nada para lhe fazer e por a ver degradar-se dia a dia.Não tive qualquer formação para cuidar de um idoso nem me foram dadas dicas como o fazer,pelo que tenho cada vez mais dores de costas, braços e pescoço. Não tenho tempo para mim, as minhas refeições são à pressa e sobressaltadas, os cuidados comigo são apressados, a minha liberdade não é nenhuma,porque esta idosa não quer estar sózinha; plenamente consciente vê e sente o seu sofrimento e o caminho para o fim que a assusta.
Seria bom que a Assembleia da República aprovasse quanto antes o estatuto de cuidador informal?
Seria óptimo,pois havendo algum apoio financeiro seria possível procurar alguém para me dar algum apoio sem que eu me sentisse angustiada com as despesas dado que são muitas para além das normais e existentes antes desta situação. Os médicos e enfermeiros privados,os meios de diagnóstico são caros,( impossível usar os do centro de saúde já que é preciso esperar meses por consultas, horas numa sala de espera barulhenta e sem condições para uma pessoa que mal se segura sentada numa cadeira de rodas,com dores, que enjoa num carro ou ambulância) a medicação é muita e cara, os cremes para a prevenção de escaras são caros, as fraldas, produtos de higiene,etc. Ter um apoio para não estar 24 sobre 24 nesta situação seria extraordinário.
Ter algum apoio de enfermagem e do médico seria óptimo,porque em muitas ocasiões não sei o que fazer. Ter alguma disponibilidade para tratar de mim seria muito bom , já que nem às minhas consultas vou com tempo e tranquila e tendo já evitado ao máximo as mesmas para não estar ausente. Preparar as minhas refeições e usufruir das mesmas já não sei o que é. O mais simples apoio seria bem vindo !