O Professor António Brandão Moniz publicou recentemente o livro «Robótica e Trabalho», obra aqui referida por nós, dada a importância da temática abordada.O conhecido investigador aceitou responder a uma questão que se foi formando no nosso espírito ao lermos o referido livro e que formulamos da seguinte maneira:
«No seu livro Robótica e Trabalho diz que a cooperação neste domínio entre o mundo académico e as empresas é muito escassa em Portugal.E o mundo sindical não está demasiado afastado destas questões?Na sua opinião que iniciativas se poderiam promover?
Resposta-«Com efeito, conhece-se muito pouco acerca das atividades de trabalho com robôs. Sobretudo em Portugal. Fala-se muito acerca disso, mas não existem dados fundamentais. Por exemplo, quantos robôs estão operacionais em Portugal? Essa informação não está nem disponível nem sequer recolhida. Assim, não sabemos qual é a verdadeira dimensão da aplicação desta tecnologia. Não sabemos ainda em que setores têm sido aplicados, ou quantos serão os trabalhadores que agora os estarão a operar.
Não se tem esta informação sobre Portugal, mas ela existe em relação a quase todos os outros países industrializados. Podemos, assim, deduzir algumas conclusões a partir de outras experiências.
Seria necessário obter estes dados, quer através da Sociedade Portuguesa de Robótica, quer do Ministério da Economia, ou ainda do Ministério do Trabalho. Mas também as Associações Empresariais setoriais poderiam recolher essa informação a partir dos seus membros. Sem essa informação não se consegue compreender qual tem sido a evolução deste investimento nos últimos anos, nem qual o seu impacto na economia e no mercado de trabalho.
De igual modo, a Autoridade para as Condições de Trabalho também não obteve informação sobre a possível ocorrência de acidentes de trabalho com este tipo de equipamento. Não sabemos, assim, se as condições de trabalho com robôs têm melhorado ou piorado. Uma vez mais, apenas podemos inferir a partir dos dados de outros países.
Perante esta “miséria” de dados sobre um tema tão atual e que tanto tem interessado a comunicação social, poderia também perguntar: tem então o movimento sindical procurado obter essa informação? tem procurado estabelecer uma estratégia para apoio aos seus associados sobre este tema? e que orientações existem para promover uma negociação com as empresas que já empregam ou querem vir a empregar esta tecnologia?
É, aparentemente, um tema “orfão” que não é analisado nem pelas empresas, nem pelos sindicatos, e tão pouco pelos meios académicos. Estes (sobretudo, na área de engenharia) estão quase só vocacionados para a investigação e desenvolvimento destes equipamentos em projetos internacionais.
Na semana passada, enquanto coordenador da Agenda Nacional de Inovação e Investigação em “Trabalho, Robótica e Qualificação do Emprego em Portugal” da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Ministério da Ciência e Tecnologia), apresentei na UPTEC algumas conclusões do trabalho feito pelo grupo redator dessa agenda. Muitos dos aspetos acima referidos estão também mencionados no texto dessa agenda que em breve será tornado público. Mas referíamos também que as associações empresariais e sindicais ainda não promoveram estudos sobre os impactos da robótica na produtividade e no emprego. Ou que os diversos estudos sociológicos dos últimos 10 anos evidenciam a segmentação e a dualização do mercado de trabalho, mas não se conhecem estudos focados especificamente na relação entre a automação e a evolução do mercado de trabalho. Seria necessário criar as condições para o estabelecimento de atividades sistemáticas de monitorização do impacto da robotização/computorização no mercado de trabalho. Ou deveria ser feita a promoção de experiências de inovação social e organizacional relacionada com um ou mais tópicos, como por exemplo, interface humano-máquina com sistemas automatizados, práticas de trabalho inovadoras nos locais de trabalho orientadas para a melhoria das condições de trabalho e aumento da participação, novas formas de trabalho cooperativas. Todos os presentes (empresas, instituições universitárias e de investigação, centros tecnológicos) que participaram no debate concordaram que algo tem de ser feito sobre isto, e urgentemente.
Sabemos que não existe atualmente qualquer programa de investigação ou de desenvolvimento que, em Portugal, contemple a relação entre trabalho e automatização. Nem existem projetos de investigação que abordem os aspetos sociais da
robótica, e que contemplem os domínios de diferentes disciplinas, como a engenharia, a informática, a sociologia, a economia, ou a gestão. Mas sabemos que tem de existir um envolvimento direto da Autoridade para as Condições de Trabalho, do IEFP e dos parceiros sociais nas atividades de investigação sobre este tema. Porque os sistemas de produção estão a mudar e não existe nem informação nem capacidade crítica suficiente para indicar caminhos alternativos que melhorem as condições de vida no trabalho. O movimento sindical tem responsabilidade e deve agir promovendo este debate e este conhecimento.»
*António Brandão Moniz – Professor de Sociologia na Universidade Nova de Lisboa, Investigador do CICS.NOVA, coordenador do programa de doutoramento sobre “Avaliação de Tecnologia” (FCT-UNL) e investigador convidado no Karlsruhe Institute of Technology (Alemanha).