Depois de abordar as questões mais preocupantes contidas na proposta legislativa que decorre do último acordo laboral, Maria da Paz Cmpos Lima conclui:-«Em síntese, pese embora algumas medidas positivas muito limitadas, as grandes questões estruturantes da negociação coletiva continuam em cima da mesa e há que evitar novos problemas com as medidas dos referendos nas empresas e as más soluções apressadas para problemas reais.».A resposta da investigadora à nossa terceira questão que é a seguinte.
3ª Nesta proposta legislativa a contratação coletiva virá equilibrar a relação de forças nas empresas, promovendo uma nova dinâmica favorável aos trabalhadores, ou o essencial não foi resolvido?
M.P.C.L.:Em 2017, o governo tomou uma medida muito importante ao publicar um a resolução revogando as normas do tempo da Troika e do governo PSD/CDS que restringiram a extensão das convenções coletivas, instituindo normas promovendo a extensão numa perspetiva de inclusividade e igualdade. Simultaneamente, o governo reconheceu os impactos negativos da caducidade nas dinâmicas de negociação coletiva, razão pela qual o acordo de concertação social de 2017 incluiu um acordo bipartido suspendendo temporariamente por um ano (findo em Julho de 2018) iniciativas visando a denúncia e caducidade das convenções coletivas. Contudo, o governo do PS tem mostrado pouca abertura para considerar mudanças de fundo no figurino legal da negociação coletiva que ajudem realmente a reequilibrar as relações laborais.
Na proposta legislativa do governo o essencial em matéria de negociação coletiva no sentido de reequilibrar as relações laborais promovendo uma nova dinâmica favorável aos trabalhadores não foi resolvido. Em primeiro lugar, porque há omissões em domínios fundamentais – no que se refere à reposição do princípio de continuidade das convenções coletivas que exige a revogação da caducidade unilateral; no que se refere à exigência de reposição integral do princípio do tratamento mais favorável; e no que se refere ao respeito pela filiação sindical. Por outro lado as propostas legislativas neste sentido do BE, do PCP e do PEV foram rejeitadas pelo PS, tal como a mais recente do BE (Projeto de Lei 902/XIII) rejeitada na generalidade, nas votações de 18 de Julho, e afastadas, de momento, da agenda parlamentar.
A proposta legislativa revela, no entanto, algumas preocupações no que se refere ao princípio do tratamento mais favorável, como quando propõe que o pagamento das horas extraordinárias passe a fazer do grupo de matérias abrangidas pelo princípio do tratamento mais favorável. Embora positiva a medida é claramente insuficiente.
Regime de caducidade deve ser refundado
A proposta legislativa do governo revela também preocupações como os mecanismos da caducidade quando sugere novas formas de arbitragem e mediação no quadro do Conselho Económico e Social. Contudo estas não resolvem o problema da caducidade unilateral ao não introduzirem quaisquer restrições aos atos de denúncia patronal; revela também preocupações com os impactos da caducidade quando propõe que as disposições das convenções coletivas no domínio da parentalidade e da segurança e saúde no trabalho façam parte do núcleo de matérias que se mantém em vigor em caso de caducidade da convenção coletiva de trabalho, a par das outras que já constavam da lei. Mas é o regime de caducidade no seu todo que tem de ser refundado, não só porque veio originando de facto a caducidade de convenções coletivas em sectores importantes, designadamente na indústria transformadora, marginalizando os sindicatos mais representativos, como veio originando uma pressão inaceitável para concessões do lado sindical que transformaram algumas convenções coletivas em instrumentos de retirada de direitos trabalhadores nomeadamente em matéria de gestão do tempo de trabalho mas também em matéria de antiguidade e carreira profissional.
Proposta legislativa inclui propostas preocupantes
Mas além das omissões graves e das insuficiências a proposta legislativa também inclui propostas preocupantes no domínio da negociação coletiva. Em primeiro lugar, a já referida proposta de referendos nas empresas organizados pelo patronato relativos aos bancos de horas à margem da negociação coletiva constitui a abertura de um precedente perigoso…com potencial de erosão da negociação coletiva. Abrindo-se este precedente hoje a propósito dos bancos de horas…amanhã está a porta aberta para incluir outros temas. Esse é um cenário em que que de uma forma subtil (?) se parecem contornar princípios constitucionais sobre mandato sindical e competências da negociação coletiva já que numa matéria crucial da negociação coletiva – o tempo de trabalho – se permitem decisões sem negociação, nem direta nem mediada pelos sindicatos.
Em segundo lugar, o projeto legislativo do governo introduz uma novidade que não consta nem do acordo de concertação social, nem de quaisquer acordos ou convergências com os partidos à esquerda e que se refere a disposições quanto ao destino das convenções coletivas de trabalho no caso de extinção ou perda da qualidade de associação de empregadores outorgante de convenção coletiva (artigo 506º, nºs 6 e 7) que propõe que no caso em que exista perda de qualidade de associação de empregadores outorgante de contrato coletivo passa a existir, para cada um dos empregadores filiados na associação, um acordo de empresa com o mesmo regime daquele. Uma proposta que exige clarificação, em primeiro lugar do ponto de vista constitucional, e que abre um precedente perigoso. É que se é para salvaguardar a posição dos trabalhadores então porque não se mantem a convenção em vigor? Onde estão os meios e capacidades sindicais e interesse patronal nas empresas para dar a seguir continuidade a tais ‘falsos’ acordos de empresa? Não pode ter isto o efeito perverso de desmantelar a negociação setorial? A situação referida pelo parecer da CGTP na crítica que faz a este ponto sobre o setor dos seguros é ilustrativa da gravidade dos problemas: quando a associação patronal se autodissolve para se desvincular de uma convenção coletiva (cuja caducidade tinha requerido) após a anulação da decisão de caducidade pelo Tribunal Constitucional.
Em síntese, pese embora algumas medidas positivas muito limitadas, as grandes questões estruturantes da negociação coletiva continuam em cima da mesa e há que evitar novos problemas com as medidas dos referendos nas empresas e as más soluções apressadas para problemas reais.