Papel da educação na erradicação da pobreza

 

Olegário Paz*

Com o título “Instrução do povo pelo povo” pode ler-se na Revista dos Açores, Ponta Delgada, 1851-53, «Por longos anos Portugal olhava a instrução com indiferença que mal se pode conceber; curava-se muito pouco da cultura do espírito, e a pouca cultura que havia, tomava-a como propriedade sua essa parte da sociedade, dita classe nobre. Monopolizava-a e não consentia que ela passasse além dos lumiares doirados dos seus aposentos. Ensinavam ao povo olhar para a instrução como para uma nova árvore da ciência da vida e da morte, e ele nem tentava provar o fruto proibido» (Filipe Quental).

Hoje os tempos são outros. Muito mudou nos mais de cento e cinquenta anos que nos separam deste familiar do poeta-filósofo maior dos Açores, o malogrado Antero de Quental: Vivemos em democracia, temos escolas, o povo tem acesso à cultura. Será mesmo assim? Talvez não!

«Um sistema económico-social que gera pobres, ao impedir condições duma recta promoção social, semeando o desemprego, os baixos salários e a exclusão, é um convite a uma mentalidade séria e a uma decisão conveniente em ordem a que seja reposta a legalidade. A cultura, entre nós, está muito longe de se preocupar com estes problemas. O mesmo se refira a propósito de uma cultura e empenhamento na esfera política». (D. Januário Torgal, “Reflexões sobre Justiça Social”, Boletim do M E P [Movimento para a Erradicação da Pobreza], Outubro de 2016).

Papel da educação na erradicação da pobreza

  A educação será um fator fundamental na erradicação da pobreza se as pessoas, em especial as crianças e os jovens, conhecerem, respeitarem e protegerem os direitos humanos (educação, saúde, habitação, trabalho, proteção social,  etc.). Uma aprendizagem que passa pela prática de valores morais como a honestidade, o respeito, a responsabilidade, a justiça, a solidariedade.

Um pouco do que se diz:

O Conselho Económico e Social da ONU organizou, em Nova Iorque, nos dias 30 e 31 de janeiro de 2017, o Forum da Juventude sobre o papel dos jovens para a erradicação da pobreza. Na abertura, o presidente afirmou que daí haveria de resultar um “mensagem forte do compromisso colectivo de não esquecer ninguém”.

“[…] os programas do Conselho da Europa têm especial enfoque na Educação para os Direitos Humanos, reconhecendo o papel dos jovens e das organizações juvenis nas políticas de juventude, visando uma cultura de Direitos Humanos.

A Educação para os Direitos Humanos com jovens é definida por:

– assegurar o pleno gozo dos Direitos Humanos e dignidade humana, encorajando o compromisso com este respeito

– promover a participação ativa dos jovens nos processos e estruturas democráticas

– promover a igualdade de oportunidades de todos os jovens participarem em todas as áreas da sua vida quotidiana

– implementação efetiva da igualdade de género e prevenção qualquer tipo de violência baseada no género

– promover a educação da consciência e ação entre os jovens acerca do meio ambiente e desenvolvimento sustentável

– facilitar o acesso de todos os jovens a serviços de informação e aconselhamento” (Dignilândia).

A propósito do Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza,

o Comité Internacional do 17 de Outubro afirmou ser «importante tentar sensibilizar as crianças e os jovens aos direitos humanos e à luta contra a miséria, mobilizando o sistema educativo, os mídia e as associações de crianças e jovens, para que eles possam exprimir a sua revolta por outras crianças e jovens serem rejeitados e postos de lado» (Site ‘por um mundo sem miséria’).

“Em 1992, a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou o 17 de outubro como sendo o “Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza”. Desde então, numerosos países, autarquias e municípios, membros da sociedade civil e do setor privado têm reconhecido a importância desse Dia, a tal ponto que atualmente o 17 de outubro é considerado como um ponto de encontro essencial para um número sempre crescente de cidadãos de todas as origens e de organizações de todo o tipo que se mobilizam para a erradicação da grande pobreza.”

 

Sobre o assunto, ouvimos o ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social apontar a pobreza infantil, o abandono e o insucesso escolar como prioritários no combate à pobreza. «Vieira da Silva salienta ainda que “o caminho” para combater as dificuldades que atingem as famílias mais pobres com crianças mais jovens, até aos três anos, passa por reforçar o apoio garantindo, por exemplo, o direito à educação pré-escolar e reforçando, já em 2017, o abono de família» (Lusa, 17 de out. de 2016).

“O governante defende que “erradicar a pobreza tem de ser a ambição maior da nossa sociedade, tem de ser a ambição maior das nossas gerações”. Na mesma mensagem, acrescenta que “a pobreza muitas vezes quer dizer guerra”, “refugiados”, “idosos abandonados” e “crianças sem apoio”, “quase sempre quer dizer desemprego” e “tantas vezes quer dizer desigualdade”.

 

Durante uma audiência na Comissão de Educação e Ciência, no Parlamento, Tiago Brandão Rodrigues, ministro da Educação considera que «combater a pobreza infantil é uma das prioridades das políticas educativas do atual governo, admitindo que existe ainda “muito a fazer” para atingir a equidade entre os estudantes. Sabemos que há crianças que apenas têm direito à educação na Constituição” (DN, 15/10/2017).

«O presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza (EAPN) em Portugal, Jardim Moreira falou a 02 de junho de 2017 num protocolo de “combate à pobreza em Portugal, a partir das escolas”. “É uma luta de 25 anos. Sempre soubemos que não se podia erradicar a pobreza sem começar pela educação nas escolas, mas, a verdade, é que houve sempre uma barreira intransponível, no Ministério da Educação, à abertura de portas para este trabalho com os jovens para a igualdade, cidadania e sensibilização”, disse à Lusa Jardim Moreira. “Finalmente tornou-se possível. Hoje recebemos a promessa do ministério de que dentro de quinze dias a três semanas vai ser assinado o protocolo nacional que nos permitirá, a partir do próximo ano letivo, entrar em todas as escolas do país”, congratulou-se.

 

Um pouco do que se faz

 

DVD Ação para a Justiça Social

«Acha que é justo menos de 100 famílias no mundo terem mais de metade da riqueza mundial? Acha que é justo ser discriminado com base no género, na cor da pele, na identidade religiosa ou outra? Acha justo cerca de 20% da população mundial consumir quase 80% dos recursos do planeta? O Desenvolvimento é também justiça social. […]

O Instituto Marquês de Valle Flôr (IMVF) no âmbito do Projeto Escola Mundo: Educação para a Justiça Social, criou [em 2012] o DVD Ação para a Justiça Social, destinado aos professores e alunos do 2º, 3º ciclo e Secundário. Composto por três capítulos de curta duração – Escravatura, Pobreza e Ação – o DVD procura sensibilizar os alunos para o problema do Tráfico de Seres Humanos (Parte 1), da Pobreza (Parte 2) e sobretudo para a importância de atuarmos na promoção de um mundo mais justo (Parte 3). O DVD foi financiado pela Comissão Europeia e apoiado pelo Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento».

A escravatura, parte 1

“[..] foi abolida no século XIX. Será que foi mesmo? mais de 27 milhões de pessoas são ainda hoje subjugadas à escravatura (UNICEF):

Trabalho forçado, casamento forçado ou juvenil, trabalho infantil, enganar e traficar as pessoas, uma em cada 300 pessoas são escravos; será isto justo? A escravatura é uma injustiça social. O que posso fazer?

A pobreza, parte 2

Um dos maiores desafios que enfrentamos hoje.

Pobreza significa: baixos rendimentos; falta de comida; fracos cuidados de saúde; falta de acesso à educação; baixa esperança média de vida; falta de oportunidades;

Porque é que a pobreza existe?

20% da população mundial consome 77% dos seus recursos; as grandes empresas controlam o comércio mundial; os países pobres nunca conseguem quebrar o ciclo da dívida; por cada euro que os países em desenvolvimento recebem em ajuda, pagam 5 euros de juros.

A pobreza é uma injustiça social. Será isto justo? O que posso fazer?

Ação, parte 3

Como podemos contribuir para melhorar esta situação? Como podemos mudar alguma coisa? Che Guevara; Ghandi; Madre Teresa; Martin Luther King; Dalai Lama; Nelson Mandela. Por vezes, uma pessoa famosa é o rosto da mudança: Mandela tornou-se uma referência na luta contra o apartheide, mas a mudança só aconteceu como resultado das acções de muitas pessoas, brancos e negros na África do Sul e por todo o mundo. Muitas pessoa atuando juntas podem dar origem a grandes mudanças.

Então, o que posso fazer? – manter-me informado, desafiar as falsas concepções, alertar as outras pessoas, trabalhar em equipa, assinar uma petição, apoiar campanhas online no fb, ver um filme sobre desenvolvimento, comprar produtos de Comércio Justo, participar num debate sobre o objectivos de desenvolvimento do Milénio, associar-me a um grupo de campanhas, pôr um vídeo no youtube, escrever uma carta para os deputados, criar um clube de Comércio Justo, agir de forma pacífica para chamar a atenção dos problemas, fazer voluntarismo.

O modo como o mundo vai ser no futuro depende de pessoas como tu, muitas pessoas a darem pequenos passos, produzem grandes mudanças

Guarda as tuas moedas. Nós queremos uma verdadeira mudança”..

 “Dignilândia – Terra dos Direitos”

«Para assinalar o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, que se celebra este sábado, [17 de out. de 2012] foi lançada, em Vila Franca de Xira, a versão portuguesa do jogo educativo “Dignilândia – Terra dos Direitos”. Trata-se da adaptação de um jogo que começou a ser desenvolvido na Turquia, no âmbito do programa europeu Enter, e que tem, também, o apoio do Conselho da Europa. Pretende “promover a participação dos jovens na defesa dos direitos humanos e sociais” e ganha, agora, ainda mais acuidade com o aumento dos problemas de pobreza e a crise dos refugiados. […] No essencial, este “Dignilândia – Terra dos Direitos” simula um país onde se discutem sete direitos fundamentais (habitação, associação, educação, segurança social, cuidados de saúde, protecção contra a pobreza e trabalho). Os jovens “jogadores” são membros de um parlamento onde se debatem as dificuldades e as medidas a tomar para atingir os objectivos sociais propostos nos cinco anos seguintes. Aprendem, assim, mais sobre os direitos sociais e sobre a sua relação com as políticas sociais de cada país. A ideia é que o jogo constitua “um instrumento de trabalho para o incremento de gerações futuras mais capazes e interventivas na área social».

“Visão Global: Este é um jogo de cartas em que cada jogador/a representa o papel de Membro do Parlamento num país imaginário chamado Dignilândia. Neste país, os Membros do Parlamento decidem sobre um conjunto de políticas nacionais em matéria de Direitos Sociais no âmbito de um plano de desenvolvimento para os próximos cinco anos.  Os objetivos do jogo são:

-Promover a consciência da indivisibilidade, interdependência e universalidade dos Direitos Humanos;

– Aumentar o conhecimento sobre Direitos Sociais e políticas sociais;

– Explorar criticamente a realidade, as políticas e os desenvolvimentos na área dos direitos sociais;

– Refletir sobre o papel dos/as jovens no desenvolvimento de políticas sociais;

– Estimular os/as participantes a desenvolver ações específicas sobre Direitos Sociais nas suas realidades”.

 Conclusão

Professor, ao logo de quarenta e tantos anos de trabalho, foram muitas e diversas as experiências relativas a alunos, docentes, programas e métodos de ensino, dentro da escola, e, fora dela, em contato com as mais diferentes e complexas realidades.

Não há muito, ao ouvir António Guterrres falar em “aprender a aprender” lembrei-me das acções de formação de professores em que discutíamos a necessidade de “ensinar a estudar” salientando a importância de ter em linha de conta, como ponto de partida, os ‘saberes’ adquiridos pelo aluno no seu dia a dia fora da escola. Fundou-se o GOTL (Grupo de Ocupação dos Tempos Livres) que ainda hoje existe, com clubes dedicados às mais diversas atividade orientadas por eles. Organizaram-se as salas de estudo para alunos cujos pais que não tinham possibilidades de explicação…

Numa dada altura, alguns alunos duma turma entenderam começar a estudar o método de alfabetização-conscientização Paulo Freire. Entrei no pequeno grupo e decidimos contatar a junta de freguesia da Falagueira. Conseguido um espaço e o interesse de meia dúzia de iletrados, avançamos com encontros semanais de discussão e aprendizagem. Se bem me lembro foram três os que, propondo-se a exame, alcançaram o diploma da 4ª classe.

Uma acção que mais me marcou em actividades fora da escola deu-se num gueto de meia dúzia de famílias, a que chamavam ‘ilha verde’, na freguesia de Fajã de Baixo, ilha de S. Miguel. Esbatida pelo tempo, a memória guardou desses dois ou três anos de visitas semanais dum pequeno grupo de Reflexão e Ação, particularmente ao albergue miserável do sr. António e as conversas animadas em que participava a mulher, s.ra Maria, e a reflexão e aprendizagem, segundo o método Paulo Freire, em casa da sr.a Conceição (nomes fictícios), viúva com uma filha emigrante. A partir de dada altura, já era ela quem escrevia cartas para a filha.

Uma nota final: educação e instrução, são termos geralmente usados como sinónimos. O professor Albano Estrela, citando especialista da sua área, faz a seguinte distinção: «a educação é o fim enquanto a instrução não é mais que um dos meios» e cita ‘a educação consiste em extrair globalmente da criança e do homem tudo o que têm de melhor, quer se trate do corpo, da inteligência ou do espírito. Saber ler e escrever não é o fim da educação (…). Este conhecimento é um dos meios que permitem educar a criança, mas não deve ser confundido com a própria educação’.

E termino com o comecei: A educação será um fator fundamental na erradicação da pobreza se as pessoas, em especial as crianças e os jovens, conhecerem, respeitarem e protegerem os direitos humanos. Uma aprendizagem que passa pela prática de valores morais como a honestidade, o respeito, a responsabilidade, a justiça, a solidariedade.

 

Outubro de 2017 (Revisto e aumentado em fevereiro de 2018)

*Professor aposentado.Esteve ligado ao Centro de Cultura Operária e à BASE-FUT

 

Junta-te à BASE-FUT!