Paulo Alves é formado em sociologia e um dos investigadores do ISCTE que mais tem estudado em Portugal as questões da participação dos trabalhadores nos sistemas de prevenção e promoção da segurança e saúde dos trabalhadores, bem como o papel da negociação colectiva nesta questão.
Neste artigo por nós solicitado escreve a determinado momento: «da análise efetuada a 302 convenções coletivas de trabalho publicadas no quinquénio 2012-2016, sendo 151 Acordos de Empresa; 44 Acordos Coletivos e 107 Contratos Coletivos, conclui-se que a negociação coletiva, ao invés de aprofundar direitos (por exemplo, um crédito de horas mais favorável do que as 5 horas mensais estipuladas pela legislação) ou outorgar novos diretos face ao que se encontra legislado, tem-se vindo a demitir de regular a participação dos trabalhadores em SST, pois a esmagadora maioria dos instrumentos ou ignora completamente este domínio ou, quanto muito, limita-se a remeter para a legislação, sendo em número muito escasso os que vão em sentido inverso.»
A participação dos trabalhadores em SST na Europa não é um fenómeno novo, remontando em alguns países aos finais do século XIX.Contudo, é uma prática que só se difundiu mais fortemente na década de 70 do século passado e que ganhou um novo fôlego com a Diretiva 89/391/CEE, do Conselho, de 12.06, que instituiu a figura do representante dos trabalhadores em SST, possuindo direitos de informação, consulta e formação. Este novo modo de representação, de carácter especializado, passou então a ser uma realidade em estados onde anteriormente era inexistente.
A participação pode assumir uma natureza formal ou informal, constituindo um aspeto central de qualquer estratégia preventiva que se pretenda implementar. Se relativamente à dimensão informal não existem estudos que avaliem o respetivo impacto, são vários os que se têm focalizado na participação formal, evidenciando a sua grande relevância. Mesmo as obras cujas conclusões se mostram mais ambivalentes, não deixam de sublinhar a necessidade da sua existência para obviar a um controlo unilateral das condições de trabalho por parte do patronato. E ela torna-se mais premente em países onde a sinistralidade laboral tem uma forte incidência, como sucede em Portugal.
No entanto, a participação, por si só, não tem um impacto positivo. A sua eficácia está dependente da presença de um conjunto de fatores, como sejam a formação em SST dos trabalhadores e seus representantes; a existência de disposições legislativas favoráveis; uma informação adequada por parte do patronato; a possibilidade de contactos dos representantes/comissões com os trabalhadores; a existência de canais de diálogo com o patronato ou o compromisso deste para chegar a entendimentos com os representantes dos trabalhadores e implementar políticas mais ativas em SST; o apoio sindical; etc..
Em Portugal a participação dos trabalhadores em SST foi tardia
Em Portugal, a participação dos trabalhadores em SST através da eleição dos seus representantes, se bem que prevista desde 1991, só veio a concretizar-se efetivamente em 2004 após a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, diploma que, a par do Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho (RJPSST), a regulamenta. Por seu lado, a negociação coletiva, sede na qual os sindicatos intervêm ativamente na definição de normas de tipo substantivo no domínio das condições de trabalho, também pode dar um importante contributo para a sua regulamentação, até porque a legislação não é imperativa.
Porém, da análise efetuada a 302 convenções coletivas de trabalho publicadas no quinquénio 2012-2016, sendo 151 Acordos de Empresa; 44 Acordos Coletivos e 107 Contratos Coletivos, conclui-se que a negociação coletiva, ao invés de aprofundar direitos (por exemplo, um crédito de horas mais favorável do que as 5 horas mensais estipuladas pela legislação) ou outorgar novos diretos face ao que se encontra legislado, tem-se vindo a demitir de regular a participação dos trabalhadores em SST, pois a esmagadora maioria dos instrumentos ou ignora completamente este domínio ou, quanto muito, limita-se a remeter para a legislação, sendo em número muito escasso os que vão em sentido inverso.
Esta situação será tributária de um conjunto de fatores, que poderão ir da ausência de articulação entre os diversos níveis negociais, o que significa que o acordado ao nível macrossocial nem sempre tem tradução no normativo produzido na negociação coletiva, até uma generalizada ausência de uma cultura de promoção da melhoria das condições ambientais nos locais de trabalho, passando pelo enorme défice de participação cívica existente em Portugal, que todos os estudos internacionais vêm demonstrando ao longo do tempo. Acresce o tipo de patronato dominante, para quem frequentemente a implementação de práticas de SST é encarada como um custo, sobretudo nas PME, e o facto das associações patronais não investirem suficientemente neste campo. E não esqueçamos que a correlação de forças hoje é altamente favorável ao capital.
Mas os sindicatos também não estarão isentos de responsabilidades nesta situação. Apesar do labor dos departamentos especializados das confederações, parece ser percetível que eles ainda não conseguiram tornar estas questões prioritárias para os sindicatos. Isso traduz-se igualmente no escassíssimo número de eleições efetuadas e de representantes dos trabalhadores eleitos. Efetivamente, entre 2004 e 2011 realizaram-se eleições num número muito restrito de organizações (656) e foram eleitos unicamente 3.366 trabalhadores como representantes dos seus pares para a SST. Para além dos fatores anteriormente referidos, nesta realidade também influirão o processo eleitoral, que as organizações sindicais consideram altamente burocratizado e “pesado”, assim como a débil presença sindical nos locais de trabalho.
Com a participação todos ficam a ganhar
Com a participação todos ficam a ganhar. Ganham os trabalhadores, dado o desenvolvimento de meios eficazes de proteção e a possibilidade que lhes é conferida de poderem identificar problemas e contribuir para a sua resolução, ao mesmo tempo que se cria uma maior disponibilidade para que venham a respeitar e adotar medidas de prevenção, o que significa, no fundo, a criação de uma cultura de segurança. Ganham as empresas e a sociedade, porque os custos com os acidentes de trabalho e as doenças profissionais diminuem. E ganham os sindicatos, porque o empenhamento nesta questão pode constituir uma via para alargarem a sua influência social em tempos de crise sindical.