Maria da Paz Campos Lima é socióloga e investigadora do ISCTE-UIL.É uma das pessoas que em Portugal mais tem estudado e escrito sobre a questão das relações laborais e, em particular, da contratação colectiva.Mais uma vez lhe pedimos um contributo agora sobre as alterações ao Código do Trabalho que estão no Parlamento e são fruto de mais um acordo social.Foram três as questões que lhe foram colocadas.Hoje publicamos a primeira relativa às medidas de combate à precariedade:
Questão:Globalmente as propostas de combate à precariedade enviadas para a Assembleia da República poderão melhorar a situação actual ou nem por isso?
Uma boa parte das propostas de combate à precariedade, inscritas no acordo de concertação social de Junho de 2018 – a parte que decorreu dos acordos de incidência parlamentar e convergências entre o Partido Socialista (PS), o Bloco de Esquerda (BE), o Partido Comunista (PCP) e o Partido Ecologista os Verdes (PEV) – pode concorrer para melhorar significativamente a regulação das relações de emprego, limitando a precariedade no que se refere à contratação a prazo e ao trabalho temporário e protegendo os direitos dos trabalhadores contratados em tais modalidades.
Em primeiro lugar, as propostas com incidência na duração destas modalidades contratuais: a redução da duração máxima do trabalho a termo certo de três para dois anos incluindo renovações; a redução da duração máxima do trabalho a termo incerto de seis para quatro anos; e a introdução de um limite máximo de seis renovações ao contrato de trabalho temporário.
Em segundo lugar, o contributo positivo das propostas que restringem as condições/motivos do recurso a tais modalidades contratuais: a eliminação da norma que permitia justificar a contratação a termo com base no recrutamento de pessoas à procura de primeiro emprego e desempregados de longa duração; a limitação do recurso a contratação a termo no caso de lançamento de novas atividades de duração incerta; e o afastamento da possibilidade das convenções coletivas introduzirem motivos adicionais de contratação a termo que não correspondam a necessidades temporárias.
Em terceiro lugar, as propostas que procuram salvaguardar os direitos dos trabalhadores abrangidos por estas formas de contratação, designadamente: o direito à compensação no caso de caducidade do contrato de trabalho, quando as partes acordam que o contrato não está sujeito a renovação; a promoção da equidade no que se refere à aplicação das convenções coletivas aos trabalhadores temporários; e a garantia do seu direito à informação.
Note-se que as propostas neste sentido estão incluídas em vários projetos de lei votados e aprovados na generalidade a 18 de Julho de 2018 na Assembleia da Republica: no projeto do governo (Proposta de Lei n.º 136/XIII), aprovado com os votos do PS e abstenções do PSD do CDS e do PAN; e também nos projetos propostos pelo BE (Projeto de Lei 904/XIII), pelo PCP (Projeto de Lei 912/XIII) e pelo PEV ( Projeto de Lei 901/XIII-3ª), aprovados na generalidade com os votos do conjunto destes partidos e do PS, os quais apresentam, nalguns aspetos, propostas mais ambiciosas designadamente no que se refere à limitação do trabalho temporário e em regime de outsourcing.
Note-se ainda que na maratona parlamentar de 18 de Julho seria ainda aprovada na generalidade uma outra proposta do BE (Projeto de Lei 905/XIII) visando a proteção dos trabalhadores em situações de maior vulnerabilidade, no caso de processo de despedimento, isto é, propondo a revogação da presunção legal de aceitação do despedimento por causas objetivas quando o empregador disponibiliza a compensação ao trabalhador.
Nestes termos, comparativamente com períodos passados, no período atual conferiu-se uma centralidade e uma visibilidade sem paralelo à problemática do combate à precariedade, que encontrou em parte uma expressão nas medidas integradas pelo acordo de concertação social, superando, sem dúvida, iniciativas anteriores.
O problema é que não há verdadeiramente um consenso na concertação social sobre esta matéria. Se houvesse, a parte patronal não exigiria contrapartidas ou o governo não se sentiria na ‘obrigação’ de oferecer as contrapartidas à parte patronal – que também figuram no acordo de concertação e no projeto de lei do governo. Contrapartidas que fragilizam os mais vulneráveis, ao admitir que o desemprego de muito longa duração pode continuar a constituir motivo de justificação legal para a contratação a termo; ao admitir que o período experimental possa ser aumentado de 90 para 180 dias no caso de primeiro emprego ou do desemprego de longa duração; ou ainda admitindo alargar de 15 para 35 dias os contratos de muito curta duração e estender a possibilidade do seu uso a outros sectores de atividade para além das atividades sazonais da agricultura e do turismo. E ao admitir que desde que a contratação a termo se situe dentro da média setorial não há motivo para penalização, o que pode ser interpretado como base de legitimação de um certo nível de precariedade como ‘norma’.
Podem o decisor político e o legislador imaginar que estas medidas constituem uma contrapartida ‘fraca’, que não prejudica a política global de combate à precariedade negociada à esquerda? Podem. Mas nada nos leva a pensar que no contexto português, caracterizado por uma tradição prolongada de recurso a trabalho precário por parte das empresas, o uso de tais medidas venha a ser limitado. Pelo contrário, a experiência passada aconselha a maior prudência já que o uso do período experimental e dos contratos de pequena duração podem vir a emergir como novas formas de precarização. Finalmente, neste debate não se podem esquecer as contrapartidas ‘fortes’ dadas ao patronato que constituem o legado da Troika e do governo PSD/CDS e que se mantêm intactas, a despeito da critica sindical e das iniciativas legislativas do BE, do PCP e do PEV: como o alargamento dos motivos de despedimento individual e a redução da compensação por despedimento.