Reivindicações do sindicato do serviço doméstico (1978)

Um texto histórico que mostra como uma classe das mais marginalizadas da sociedade portuguesa, tomou voz, no contexto do pós-25 de Abril, para expor a sua situação de exploração, os seus problemas, apresentar soluções e, de algum modo provocar os outros companheiros e companheiras de trabalho. Primeiro a Juventude Operária Católica e depois a BASE-FUT desempenharam um papel relevante no apoio à organização autónoma destas trabalhadoras no seu próprio Sindicato.

 

O Sindicato do Serviço Doméstico é representante legal de mais ou menos 100.000 trabalhadoras. Todas trabalhadoras do sector, mas a trabalhar em situações diferentes:

Uma boa parte são Empregadas Domésticas que trabalham, comem e dormem em casa das patroas; a outra parte, que é a maioria, é formada pelas Mulheres a Dias. Estas ou trabalham para uma só patroa as 48 horas no mínimo, ou trabalham para várias casas. Há aquelas que comem por sua conta e aquelas que comem nas casas onde trabalham.

Estas diversas situações em que é prestado o serviço doméstico no nosso País, conduzem a muita confusão quando se trata de aplicar a legislação do trabalho, confusões essas que são sempre bem aproveitadas pelas patroas para fugirem às suas responsabilidades.

Por outro lado, estas cem mil trabalhadoras vendem a sua força de trabalho às mais variadas camadas da sociedade portuguesa: às parasitas sociais que passam o tempo em viagens de recreio, longos serões de festarola, Chá Canasta pelas 5 da tarde, etc. Vendem a sua força de trabalho a outro extremo desta mesma sociedade em que vivemos: aos velhos, doentes e reformados que a sorte deixou no mundo sem ninguém; mas também servem em casa de trabalhadores.

Deve acentuar-se que, na sua maioria, as trabalhadoras do serviço doméstico, em especial as Mulheres a Dias vendem a sua força de trabalho a outros trabalhadores: Empregados do comércio, correios ou caixa de previdência, médicos, advogados, professores, bancários ou enfermeiros(…)

Ninguém ignora duas coisas: que não há ninguém que entre para esta profissão de livre vontade e que esta profissão é a mais marginalizada e explorada de todas.

Esta é em linhas gerais a situação da nossa classe, da classe que o Sindicato do Serviço Doméstico defende com unhas e dentes.

Pois bem, camaradas, o nosso testemunho hoje e aqui nesta sessão de trabalho, que pretende alertar, tanto o vulgar cidadão como as autoridades do país para a grave situação da mulher, o nosso testemunho, repetimos, é este: por um lado dar a conhecer a nossa luta e por outro desafiar as autoridade e os cidadãos portugueses em especial os presentes para a necessária coerência de quem se diz defender uma sociedade nova mais justa e mais igualitária.

Ora bem: para que é preciso haver uma classe como a nossa?

1.-Para o caso da alta burguesia que nada faz, é exactamente porque nada faz que precisa de quem lho faça. Para o caso extremo de quem não tem ninguém, exactamente porque não tem ninguém.

Bom não é preciso ser muito esperto para ver que o defeito está na organização da sociedade.

Os parasitas não devem ter lugar em nenhuma parte, não devem existir. Os pobres, velhos e doentes que já trabalharam bastante, têm direito a que seja o Estado a resolver-lhes o problema.

2.-Resta então o caso da maioria, isto é dos trabalhadores para quem nós trabalhamos.Mas será que os trabalhadores precisam mesmo de quem lhes faça o trabalho doméstico? Em muitos casos concordamos que sim.É difícil a uma trabalhadora passar o dia fora e ter que vir depois tratar da casa, filhos, roupas, comida, etc. Mas, perguntamos nós, será justo que o problema se resolva à custa da exploração de outros trabalhadores que, nesse caso, ficam com a casa dos outros e a sua própria para governar? Ou não será de exigir outra solução sem ser esta de os próprios trabalhadores explorarem outros trabalhadores? Não pretendemos pôr trabalhadores contra trabalhadores, quando o problema está nas estruturas sociais deste país.O que pensamos é que é preciso encontrar soluções justas para os problemas que temos(…)

Bem camaradas. A nossa  Organização encontrou uma solução mais justa e tem-na posto em prática: com  os refeitórios, as creches e lavandarias da nossa Cooperativa que já tem âmbito nacional, resolvemos dois problemas: o das crianças, comida e roupa dos trabalhadores, que assim ficam mais aliviados e o da realização pessoal das Empregadas Domésticas e Mulheres a Dias que assim trabalham por sua conta, sem serem escravas de ninguém. Mas sabemos que isto não resolve o problema do país. Perguntamos ainda se esta é a solução, ou se não haverá outra melhor. Apesar da nossa ignorância, já descobrimos que noutros países a solução é diferente: é o Estado que resolve o problema. Há um quadro de mulheres que recebem um ordenado justo através do Estado para fazerem o trabalho em casa dos trabalhadores que o não podem fazer.Será isto uma coisa extraordinária? Achamos que não.

O governo da nossa casa não será tão importante como o governo do país? É o Estado que paga ao governo. O governo da nossa casa não será tão importante como a escola? E é o Estado que paga aos professores.O governo da nossa casa não será tão importante como a defesa dos cidadãos? E é o Estado que paga à polícia. O governo da nossa casa não será tão importante como os serviços públicos? E é o Estado que paga aos funcionários públicos.

Porque não fazem do serviço doméstico um serviço público e das Empregadas domésticas e Mulheres a Dias funcionárias do Estado?

Camaradas, advinhamos o sorriso de muitos perante esta solução, mas, acreditamos que não é por mal.É simplesmente porque nunca tinham pensado nisto. Pois bem, pensem então.

E não esqueçam: a solução dos problemas da mulher trabalhadora não pode encontrar-se na exploração de outras trabalhadoras.

Se todas nós, mulheres trabalhadoras deste país, nos empenharmos e quisermos resolver em conjunto os problemas de todas sem distinção, seremos capazes de exigir um Governo que atenda aos justos anseios de quem trabalha e de conseguir um mundo de justiça e igualdade para todos.

Comunicação do Sindicato do Serviço Doméstico no Encontro da Mulher Trabalhadora de 2 de Julho de 1978. In Paz, Olegário (org.). Empregadas Domésticas Mulheres em luta-para a História do serviço Doméstico em Portugal-das origens ao fascismo.  Lisboa, Edições BASE.