Fátima Almeida-a luta pela terra, teto e trabalho!

Faz agora um ano que Fátima Almeida foi eleita Presidente do Movimento Mundial dos Trabalhadores Cristãos (MMTC).A Fátima foi uma operária têxtil do norte de Portugal  sendo vários anos Coordenadora Nacional da Liga Operária Católica/Movimento de Trabalhadores Cristãos (LOC/MTC), com uma larga experiência militante no mundo do trabalho.Participa em várias actividades da Igreja Católica, cooperativas e movimentos sociais.Sempre que pode colabora com a BASE-FUT.No último seminário internacional promovido pela LOC/MTC sobre os desafios da economia digital no passado mês de junho, em Braga, aceitou responder a algumas questões.

 

  1. O que significou para a LOC/MTC e para ti a tua eleição para Presidente do Movimento Mundial dos Trabalhadores Cristãos? É um novo desafio?

Para a LOC/MTC – Liga Operária Católica/Movimento de Trabalhadores Cristãos, a minha eleição significou continuar a ter com o MMTC – Movimento Mundial de Trabalhadores Cristãos, uma relação de compromisso no seu desenvolvimento e de disponibilidade de militantes para servirem a sua estrutura de dinamização e evangelização do mundo do trabalho. A LOC/MTC é um dos movimentos fundadores do MMTC, o qual nasceu em maio de 1966, na cidade de Roma.

Dos rostos portugueses mais conhecidos desta colaboração com o MMTC ao longo dos anos contam-se a Vitória Pinheiro, a Natividade Cardoso, a Glória Cardoso, o padre Jardim Gonçalves e o padre Manuel Pimental. Alguns deles, ainda hoje, são lembrados com muito carinho desde a Europa, à África, à Ásia e à América Latina.

Para mim é realmente um novo desafio. Depois da minha experiência de animação e coordenação na LOC/MTC, esta solicitação para me candidatar a copresidenta, deixou-me um pouco desassossegada e preocupada. Quer pela minha forma de viver, pessoal e familiar, quer pela importância que os movimentos JOC e LOC/MTC significaram e significam na minha vida de mulher, cidadã e cristã.

Por este trajecto de vida com os movimentos atrás referidos era natural que eu dissesse um sim. Claro que algumas dificuldades, principalmente não falar outra língua para além do português, levaram-me a pensar bem nesta minha decisão. Mas, depois de alguma reflexão, prevaleceu o desafio pela missão e a abertura à novidade e a novas aprendizagens. Este sim conduziu à minha eleição na Assembleia Geral, realizada em julho de 2017, em Ávila.

As prioridades de reflexão e ação do MMTC para estes quatro anos, aprovadas nesta AG, sobre a temática “Terra, Teto e Trabalho para uma Vida Digna”, fortaleceram ainda mais os argumentos desta minha decisão. Estes pilares são fundamentais na vida dos trabalhadores e das suas famílias.

O desenvolvimento para uma sociedade mais justa, fraterna, solidária e equitativa só se concretiza se todos tiverem acesso, em liberdade e igualdade de oportunidades: à casa para viver, à terra para cultivar e ao trabalho com salário justo, criativo e de doação para a comunidade.

As desigualdades económicas e sociais, consideradas inaceitáveis entre países europeus, são ainda mais gravosas e intoleráveis em países da África, da Ásia e mesmo da América Latina, onde o MMTC actua através dos seus movimentos nacionais. É nestas realidades e nestes contextos diversos, que se concretizam os compromissos e os testemunhos de vida dos militantes trabalhadores cristãos. Nesta responsabilidade, continuarei a dar o meu contributo de reflexão, de forma a motivar um agir colectivo, gerador de qualidade de vida, que trabalhe pelo bem comum e pela “vida em abundância” para todas as pessoas.

 

  1. Consideras que as posições do Papa Francisco sobre esta economia e o trabalho são reflexo também da ação dos movimentos operários católicos de todo o mundo?

O papa Francisco vem de um continente e de um país onde as desigualdades sociais são enormes, onde a maioria da população vive na pobreza ou mesmo na extrema pobreza. O papa Francisco, nas suas responsabilidades apostólicas,  conheceu e foi muito próximo tanto dos pobres como das organizações e movimentos que combatiam e lutavam para alterar o sistema económico e social que gera pobreza. Para o papa Francisco a evangelização passa pela vivência e anúncio das Bem Aventuranças. É pelo caminho das Bem Aventuranças que a Igreja se pode transformar na Igreja pobre e dos pobres. No Vaticano e nas suas viagens, ele dá visibilidade, de diversas formas, a este modelo de viver e de anunciar o Evangelho. As suas homilias, mensagens e outros documentos pontifícios tem sido muito concretos e diretos, apelando a novos estilos de vida, dignificadores da pessoa humana e respeitadores da nossa Casa Comum. A sua preocupação para com os sem abrigo que vivem nas proximidades do Vaticano, fez com que dentro do Vaticano se criassem e disponibilizassem diversos serviços de apoio a mulheres e homens que vivem na rua. Ele próprio vai ver, ajudar e inclusive, fazer algumas refeições com estas pessoas.

É também deste conhecimento e proximidade às pessoas pobres, excluídas ou descartadas, que o papa Francisco promove e apoia os Encontros dos Movimentos Populares – http://movimientospopulares.org/ – onde se reúnem dirigentes e animadores sociais, de movimentos e organizações, dos cinco continentes. A nível mundial, desde 2014, já se realizaram três encontros. Há continuidade dos mesmos em alguns países e comunidades, principalmente na América Latina. O objetivo de todos estes encontros é mudar este processo de destruição das pessoas e do meio ambiente. E, fazer com que todos os pobres e as pessoas que vivem nestas realidades, nas periferias e nas margens da sociedade se tornem, também elas, protagonistas destas mudanças.

A rejeição do individualismo e do consumismo, das desigualdades, da exploração, das expropriações ilegais da terra; a defesa da dignidade humana e do direito de todos os povos e pessoas à Terra, ao Teto e ao Trabalho são os pilares primordiais assumidos pelos participantes destes encontros. O MMTC tem estado, desde o início, na organização e dinamização desses encontros e participa activamente nas reflexões e nas propostas de ação que nascem dos mesmos.

 

  1. No encontro com sindicalistas no Vaticano, onde também estiveste no ano passado, pressentiste que a Igreja vai dar mais apoio às organizações de trabalhadores?

Sim, a Igreja vai continuar a apoiar as organizações de trabalhadores, os sindicatos e os sindicalistas que trabalham pela dignidade dos trabalhadores, dos que não tem emprego e dos mais pobres. Porque este apoio está fundamentado no Ensino Social da Igreja.

Neste encontro foram várias as intervenções, incluindo de sindicalistas não crentes, a manifestarem o importante contributo que a Igreja deu, e continua a dar, na luta pela justiça social, pelo trabalho digno, pela dignidade humana, sem esquecer a valorização dos sindicatos e organizações de trabalhadores. Isto torna-se visível nas acções concretas que se realizam mas também através das várias encíclicas, cartas, discursos e mensagens do papa Francisco.

Neste encontro, realizado em novembro passado, no Vaticano, reuniram-se sindicalistas de vários países e continentes, responsáveis da OIT – Organização Internacional do Trabalho, economistas, teólogos, agentes pastorais e leigos comprometidos com a promoção da dignidade humana, do trabalho com direitos, da humanização e da evangelização do mundo do trabalho. Foi promovido pelo Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento  Humano e Integral, coordenado pelo Cardeal Peter Turkson e contou com o apoio do Papa Francisco. Pretendeu destacar a relevância que o trabalho humano e as organizações dos trabalhadores representam para  a Igreja e para a sua Doutrina Social.

Nas conclusões deste encontro foi salientado que a “luta contra a pobreza e a exclusão precisa envolver todas as organizações…”, e que é necessário um “compromisso das organizações de trabalhadores com a paz num mundo livre de armas nucleares…e que a defesa e a promoção da liberdade e do direito de associação sindical…” são valores e direitos inalienáveis. É urgente a “construção de uma agenda social inclusiva e pró-ativa…” Devem-se convocar “reuniões locais e regionais no seguimento desta, a fim de promover o diálogo entre sindicatos e órgãos da Igreja e outros atores”, apelando “aos intelectuais, aos líderes empresariais, aos empregadores, às organizações da sociedade civil, às organizações internacionais e, em especial, os governos das nações…”, para acolherem estes desafios, de forma a atuarem solidariamente no “desenvolvimento integral, inclusivo e sustentável”, com “trabalho, terra e habitação para todos“. Isto significa que as ações dos sindicatos, atualmente, tem de abranger não só as questões laborais, mas todas as outras situações de pobreza e descarte das pessoas e da sociedade, tais como a paz, a segurança e a sustentabilidade do meio ambiente.

Por outro lado, o Papa Francisco dirigiu uma mensagem aos participantes, onde afirma que o “desenvolvimento não se reduz a um simples crescimento económico, o verdadeiro desenvolvimento tem de promover integralmente todas as pessoas e todos os povos”. Na base deste desenvolvimento está também o trabalho humano, porque o trabalho humano é “sobretudo uma missão”. É pelo trabalho que “cada trabalhador é a mão de Cristo que continua a criar e a praticar o bem…Trabalhar com os outros é trabalhar para os outros”.

O Papa desafia os sindicatos a tomarem a defesa dos trabalhadores cujos direitos não são sequer reconhecidos, a fazer “justiça juntos”, em solidariedade com quem vive em situação de pobreza e de exclusão. O papel dos sindicatos é também o de “educar as consciências para a solidariedade, o respeito e o cuidado. É necessário que os sindicatos também se preocupem em fazer renascer uma nova solidariedade global, mais comunitária, inclusiva e sustentável”, como apela o papa Francisco neste documento e que vale a pena ler e divulgar.

http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2017/documents/papa-francesco_20171123_lettera-turkson-encicliche.html

4.Consideras que  estas grandes mudanças tecnológicas sintetizadas na chamada economia digital são um novo desafio na luta pelo trabalho digno?

Sem dúvida. É um grande desafio para as trabalhadoras e trabalhadores e é-o igualmente para as organizações de trabalhadores e sindicatos. As mudanças são profundas nos sectores agrícola, na indústria e nos serviços. Por exemplo, na indústria têxtil e corticeira, os trabalhadores tiveram de se adaptar às novas tecnologias, que lhes tiraram algum trabalho físico mais duro, em contrapartida tiveram de aprender a usar as máquinas e os programas que fazem esse trabalho automaticamente. Muitos foram considerados prescindíveis nesta mudança. Outros tiveram dificuldades em se adaptar às exigências da formação e das novas tecnologias. E os que ficaram trabalham agora mais isolados e pressionados.

Hoje, a maioria das tarefas nestes sectores, exigem conhecimentos técnicos e digitais. Não saber usar um computador, aceder à internet e a um conjunto de sistemas operacionais, pode ditar a exclusão no acesso a muitos postos de trabalho.

Por isso, continua a ser necessária a luta: pelo trabalho livre e criativo, que dignifica quem o executa; pela remuneração justa que permite viver com dignidade; pela diminuição do horário de trabalho; pela valorização da formação e do conhecimento; pela conciliação entre a vida pessoal, familiar e profissional; pelo reforço da proteção social e pela atribuição de um rendimento básico que elimine os níveis de pobreza e não estigmatize quem está sem trabalho profissional.

Este é o tempo para pensar as alternativas no campo laboral, social e ambiental. É o tempo para as organizações de trabalhadores, movimentos e sindicatos, debaterem, aberta e livremente, propostas de ações promotoras do trabalho digno e inclusivo, sensibilizando, e apelando à participação cívica de todas e de todos, neste combate.

Como cristã, anima-me o princípio fundamental do Evangelho, de que os frutos da terra e do trabalho são para todos, e devem chegar a todos de forma justa.

Enquanto esta justa redistribuição dos frutos do trabalho e da terra não acontecer, o tempo tem de ser sempre de compromisso com a justiça social, de solidariedade na sustentabilidade da Casa Comum e no desenvolvimento integral da pessoa e da sociedade.

 

 

 

 

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